segunda-feira, 1 de abril de 2019

31 de março de 1964? Não esquecer para evitar reprise

  Via:Vinicius de Santana

por Emanuel Andrade
Era 1º de janeiro de 1964. Um anúncio de boas festas da extinta rede de lojas  de eletrodomésticos ‘Rei da Voz’, cumprimentava o consumidor com o seguinte texto: “Lute pela democracia. A democracia é a única forma de governo dos povos livres(…) Os extremismos,a ditadura ou o comunismo trazem consigo sempre  um rastro de ódio, sangue, guerra, prepotência, miséria e sórdida escravidão”. Era um simples comercial. A população brasileira só não sabia se em meio ao texto publicitário/persuasivo, havia previsão de que seria um ano tenso, com um golpe militar a caminho.
Naquela semana,  um comentário na página de editoriais do Jornal do Brasil dizia que “Havia uma espécie de irritação generalizada e mau humor no ar”. Dentro de dois meses – em 31 de março – a temperatura chegava  ao limite máximo. A situação da política interna criava todas as condições para um golpe, incluindo na turbulência o encorajamento do governo dos Estados Unidos, o que para muitos estudiosos do tema,  talvez tenha sido fator decisivo para que ocorresse de fato o golpe. Não deu outra.
Para a história, o conceito de Golpe de Estado no Brasil em 1964 designou o conjunto de eventos ocorridos em 31 de março que culminaram, no dia 1.º de abril, com um ato golpista que encerrou o governo do presidente democraticamente eleito João Goulart – o  Jango. Dali em diante, homens do Exército, não somente agiram na conquista do poder como também começaram a executá-lo diretamente, implantando um regime centralizador, burocrático e autoritário.
A história, para além dos livros,  não conseguiu contabilizar em sua matemática cruel, o número de mortos e desaparecidos,  senão quase meio século depois, graças ao trabalho árduo da Comissão Nacional  da Verdade(CNV).
Março de 2019. Num surto provocativo, não sabemos se por um distúrbio psicológico, o presidente Jair Bolsonaro  determinou em vão as comemorações dos 55 anos do golpe. Foi um soco na opinião pública. Não era para menos o sentimento nefasto de um capitão reformado após carreira conturbada nas Forças Armadas. Ele que já havia tecido elogios de boca recheada ao que de pior aconteceu durante os anos de autoritarismo.
Antes de ser eleito, o presidente havia declarado aos quatro cantos, seu fanatismo incondicional do coronel Carlos Ustra, notório torturador a quem chamou de um herói brasileiro que o fim da vida de cidadãos? É salutar que a sociedade se torne um paredão frente aos absurdos de um político que ocupa o mais alto cargo da nação. E que tudo seja sempre colocado às claras para as novas gerações de um país que viveu a escuridão truculenta arquitetada pelos dos militares ao longo de 21 anos.  Até mesmo entre os militares, o presidente tomou um puxão de orelhas.
Dessa forma, em uma afronta barata, Bolsonaro instiga o patrocínio  da subversão de valores ao convocar a celebração oficial  para um regime que fechou o Congresso, prendeu opositores e o usou a tortura e mortes como métodos de repressão. A história jamais esquecerá esse capítulo sangrento.
Em 2014, depois de dois anos e sete meses de trabalho, a CNV confirmou, em seu relatório final, 434 mortes e desaparecimentos de vítimas da ditadura militar no país. Entre essas pessoas, 210 são desaparecidas. Digamos que o clima bélico armado  de vez em quando pelo presidente assusta. Expor a verdadeira radiografia assustadora do que foi 1964, é por si desgastante. É como entrar numa caverna radioativa.
Ao passo que nossa democracia cambaleia, é importante compreender que no Brasil não há caminho fora da democracia.. A grande maioria da sociedade foca num Brasil livre e descente. porque tortura é para nunca mais. Nem para estar lembrado de brincadeira. []
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Emanuel Andrade – é jornalista, pesquisador e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb)


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