Houve outra disputa para além da épica batalha jurídica-política que foi travada no país neste domingo (8 de julho) sobre a liberdade de Lula.
Muito já se escreveu sobre este caráter jurídico-político, por juristas e analistas de enorme talento e sagacidade e compromisso com a democracia.
Mas, sim, houve outra disputa, de caráter cultural. Tem a ver com a conformação do país como nação. Seus fundamentos, sua psiquê, sua alma.
Está muito além, portanto, dos personagens envolvidos.
Lula está preso por ter sido condenado num processo. É todo ele, o processo, uma farsa, mas vá l-a, foi condenado num processo relativo ao tal "tríplex do Guarujá".
Sérgio Moro foi o juiz do processo. Condenou Lula.
A partir da conclusão do processo que estava sob sua competência, depois do conjunto de de decisões que adotou sobre o caso, Moro deixou de ter relação com o processo.
O caso subiu para uma instância superior, o agora famoso Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). No momento em que "subiu" para outra instância, o processo deixou de ser da alçada de Moro.
Porque esta é uma característica básica da democracia: o juiz é "dono" do processo enquanto está sob sua alçada. Depois disso, acabou.
E aqui há algo sobre o Brasil profundo das elites mais escravocratas do planeta. Moro não se comporta com alguém que foi "dono do processo" no qual Lula foi réu e pelo qual foi condenado. Não. Comporta-se como se fosse dono do réu, do condenado. Dono de Lula. "Não ousem mexer com ele, porque a mim ele pertence".
Lula não é mais, para Moro, alguém que se relaciona com o Judiciário e o Estado brasileiro como pessoa de direitos. Lula tornou-se um objeto. Pertence a Moro.
E que ninguém ouse mexer com sua propriedade.
Pode parecer uma lógica desumana (e é), aterradora (e é).
Mas essa maneira de pensar era comum e LEGAL no Brasil até 130 anos atrás, no tempo da escravidão.
E este espírito é o que preside a relação entre Moro e Lula.
Mais grave ainda: com apoio de desembargadores, ministros e de toda a mídia conservadora do país. Sob aplausos de toda a elites nacional.
Não é mera coincidência que dois dos personagens da crise de ontem, os desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e João Pedro Gebran Neto sejam de famílias proprietárias de escravos.
O bisavô de Thompson Flores, João Pereira da Silva Borges Fortes, era proprietário de escravos. O presidente do TRF-4 é descendente de Raposo Tavares, o bandeirante genocida, que matou milhares de indígenas no século 17.
A avó de João Pedro Gebran, Francisca Cunha, a Chiquinha, pertence a uma longa estirpe de latifundiários proprietários de escravos.
São todos de famílias donas de gado e gente, como cantou Geraldo Vandré em Disparada, de 1966 (lei mais sobre a genealogia dos membros da Lava Jato
aqui).
É este o espírito que preside a relação de Moro com Lula.
Para Moro, Lula é seu. Como para as elites, os pobres do país objetos disponíveis para serem apropriados. Não são pessoas, gente com direitos, desejos, sonhos, sorrisos, alegrias.
Lula é de Moro. E isso não é apenas uma relação privada. É um vínculo que, neste domingo, foi sancionado pelo Judiciário, a Globo e suas sucursais nas mídias e toda a elite do país.
Somos um país onde há donos de gado e gente. E as elites querem que o povo aceite este fato, passivamente -como gado.(247)
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