Medidas como vacinação contra rubéola e meningite, melhoria dos cuidados maternos e neonatais e tratamento precoce da otite média são incluídos pela OMS na prevenção de doenças auditivas. O relatório foi lançado na véspera do Dia Mundial da Audição 2021, que se comemora amanhã (3) e tem como lema "Cuidados Auditivos para Todos!".
A OMS recomenda que os tratamentos auditivos façam parte dos planos nacionais de saúde. Para a população adulta, em especial, a orientação é fazer uma boa higiene dos ouvidos, controlar os ruídos e manter níveis seguros de volume para reduzir o potencial de perda auditiva.
Problemas
Para o médico Marcos Sarvat, membro da Câmara Técnica de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Conselho Federal de Medicina, não é surpresa a preocupação da OMS ante a perspectiva de aumento significativo do número de pessoas com problemas de audição no horizonte de 29 anos. “São problemas já conhecidos e muito comuns os decorrentes na infância de infecções e problemas não tratados na época devida; as doenças infecciosas maternas, que podem levar à perda auditiva congênita, ou seja, as crianças já nascem com o problema; e, ao longo da idade pré-escolar, muitas desenvolvem problemas em geral de boa solução, mas que passam despercebidos.”
Em entrevista à Agência Brasil, Sarvat afirmou que a detecção da deficiência ao nascimento, a educação, o tratamento e as cirurgias precoces, como o implante coclear, podem ajudar bastante a reduzir a perda auditiva. “Ao longo da vida, pela exposição sonora excessiva, isso já soma muita gente”, destacou.
O problema da perda da audição é agravado pelo natural envelhecimento da população, já que, após os 60 ou 70 anos, a perda auditiva é natural, disse Sarvat, que também é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “O simples envelhecimento da população já gera ‘epidemia’ de deficiência auditiva, o que não quer dizer surdez absoluta, mas perda parcial”, disse o médico.
Sarvat recomendou que as perdas parciais sejam avaliadas e façam parte dos programas de saúde pública, do nascimento à terceira idade. Avaliações periódicas são também necessárias para orientar os que enfrentam deficiências auditivas e minorar o problema. “Ainda estamos muito longe disso. Não me surpreende esse alerta [da OMS], que já é dado pelas entidades médicas há alguns anos, mas é bom que seja amplificado pela OMS, especificamente nos dias destinados a uma maior atenção a problemas desse tipo”, afirmou.
Pouca oferta
O médico admitiu que, o problema da perda de audição é maior nos países subdesenvolvidos em termos de assistência à saúde, entre os quais o Brasil, onde há pouca oferta de medicamentos, cirurgias e próteses. “Ou seja, a prevenção por meio de exames periódicos é de difícil acesso; a consulta é de difícil acesso, assim como o acesso ao medicamento ou à cirurgia; e as filas para receber a prótese auditiva na terceira idade são enormes.”
Sarvat destacou que existem no Brasil deficiências estruturais que resultam em pior qualidade de vida para todas as gerações. “Isso reflete na educação das crianças. Uma criança que ouve mal aprende mal e se torna um adulto menos capaz do que seria, e assim por diante. Temos uma cascata de efeitos do idoso abandonado, do idoso solitário, da depressão, da perda de motivação, do desvínculo familiar, da perda de condições de trabalho. Tudo isso vem em cascata e é ignorado”, acrescentou o médico. Para ele, o alerta da OMS é bem-vindo e repercute de forma mais ampla para a população mundial, neste momento.
Quanto mais cedo a perda auditiva for detectada, melhor, afirma a fonoaudióloga Marcella Vidal. Ela destacou que é importante abordar e tratar a perda de audição em tempo hábil, tão logo apareçam os primeiros indícios de dificuldades para ouvir. “Com isso, evitamos uma série de prejuízos na comunicação, nos relacionamentos, e as pessoas podem continuar aproveitando a vida ao máximo. Para isso, uma das opções de tratamento é o uso de aparelhos auditivos, que proporcionam inúmeros benefícios para o indivíduo."
Aparelhos
Marcos Sarvat observou que, no caso dos aparelhos auditivos, o Brasil, em particular, enfrenta um problema de ordem técnica e econômica, porque depende de forma absoluta da produção estrangeira. Com isso, os produtos disponíveis no mercado são extremamente caros para a maioria da população.
“Com o envelhecimento progressivo da população, seria interessante termos essa oferta, com estímulo à produção interna de aparelhos mais acessíveis. Mas, infelizmente, isso hoje está longe com a produção de tudo made in China [feito na China]”, opinou. Sarvat disse que isso repercute exatamente na saúde das pessoas ao se tornar algo pouco alcançável pela maioria.
O relatório da OMS destaca também a questão do preconceito que envolve as pessoas com baixa audição e que, muitas vezes, leva à inibição de buscar o tratamento adequado. Os recursos humanos disponibilizados pelos sistemas de saúde para tratar desses pacientes são reduzidos, sobretudo nos países mais pobres, onde cerca de 78% têm menos de um especialista em doença de ouvido, nariz e garganta por cada milhão de habitantes. Somente 17% dos países têm um ou mais fonoaudiólogos e metade têm um ou mais professores para surdos por milhão, indica o documento.
Audiometria
De acordo com Marcella, é preciso checar a audição periodicamente, fazendo o exame de audiometria uma vez por ano. Isso é recomendado especialmente para quem tem mais de 50 anos, predisposição genética ou dificuldades para ouvir, e para quem sofre infecções frequentes na orelha, trabalha em ambientes ruidosos ou ouve som alto por longos períodos, como ocorre entre os mais jovens com a “febre dos fones de ouvido”, disse a fonoaudióloga.
Estudo feito em conjunto em 2019 pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda revela a existência, no Brasil, de 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva. Desse total, 2,3 milhões têm deficiência severa. A surdez atinge 54% de homens e 46% de mulheres. A predominância é na faixa de 60 anos de idade ou mais (57%).
Entre as pessoas com deficiência auditiva, 9% nasceram com essa condição e 91% a adquiriram ao longo da vida, sendo que a metade foi antes dos 50 anos e, entre os que apresentam deficiência auditiva severa, 15% já nasceram surdos. Do total pesquisado, 87% não usam aparelhos auditivos. (Por: Agência Brasil).