Segundo Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19, o crescimento do número de casos e de mortes ligados à Covid-19 no Brasil pode ser ainda maior após as festas de fim de ano.
O Brasil volta a rondar a média de mil mortos por dia em decorrência da covid-19. Nesta quinta-feira (17), o país voltou a ultrapassar a marca das mil mortes (foram 1.091) em 24 horas, segundo o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass). As vítimas diárias da infecção não atingiam esse patamar há mais de dois meses. A média móvel de óbitos – soma de todas as confirmações dos últimos sete dias, dividida por sete – chegou a 723, pior resultado em quase três meses.
Naquela quinta-feira, além das 1.091 mortes, foram registrados ainda 69.825 novos casos da doença no país. Já na sexta (18), os novos óbitos foram 824 e os novos casos notificados, 52.545. Com isso, já são 185.650 vidas perdidas e 7.1162.978 infectados pelo novo coronavírus desde o início da pandemia, em março.
Sem mudanças de rumo na condução da pandemia, a previsão é que a situação possa se agravar com resultados ainda mais trágicos para o início do próximo ano. Em entrevista nesta sexta-feira (18) a Glauco Faria, do Jornal Brasil Atual, o cientista de dados Isaac Schrarstzhaupt, coordenador da Rede Análise Covid-19 – grupo multidisciplinar que coleta e analisa dados relativos à pandemia no Brasil – alerta que o crescimento de casos e de mortos, que pode ser ainda maior após as festas de fim de ano com as aglomerações previstas, tem o risco de ser emendado por um pico de notificações da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) que acontece todos os anos, a partir da 7ª semana do ano, de 9 a 15 de fevereiro.
SRAG e Covid
A SRAG tem um “comportamento padrão”, como explica Isaac, em que os casos costumam disparar da 7ª até a 15º semana, até por conta da mudança de estação climática para o outono. Dados do sistema Infogripe da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostram que a queda de notificações se acentua de vez por volta da 26ª semana, atingindo baixos níveis em novembro e dezembro. Uma tendência que não se concretizou em 2020 por conta da pandemia, que, ao contrário, fez disparar os casos de SRAG, principalmente a partir da 43ª semana epidemiológica.
O cientista alerta que o Brasil vive um aumento da síndrome “totalmente fora de época, que está se prolongando devido ao comportamento da população e às poucas medidas de restrição de mobilidade”. Em seu twitter, Isaac já havia alertado que, ao manter esse número elevado, o risco é de “catástrofe” caso esse aumento permaneça até as semanas 7 a 12 de 2021. “Se estamos com 900 óbitos (de covid-19) por dia agora (em dezembro), poderemos ter três vezes isso lá no início de 2021. Ou seja, em torno de 2.500 óbitos, como os Estados Unidos”, projetou o coordenador da Rede Análise Covid-19.
Jovens contaminados
Esse crescimento do número de casos acompanha não apenas o relaxamento da quarentena, mas também uma mudança no perfil de infectados. Na cidade de São Paulo, por exemplo, desde outubro, são os mais jovens que passaram a ser os responsáveis pela maior parte das infecções e internações em decorrência da covid-19. Conforme reportado pela RBA, os pacientes dos 20 aos 39 anos representam atualmente 40% dos casos.
Entre março a novembro, o principal volume de internações era de pacientes que tinham entre 55 a 75 anos. O grupo ainda representava 77% dos infectados com quadros graves que compuseram as principais estatísticas de mortalidade da covid-19. O cenário é semelhante em outras capitais brasileiras, como Belo Horizonte, que vêm concentrando casos na parcela jovem da população. O que também tem contribuído para um percentual menor de óbitos. Em São Paulo, eles representam 3,6% das mortes contabilizadas.
Há, no entanto, algumas implicações na alto grau de contaminação dos jovens, observa Isaac. De acordo com ele esse é o grupo com maior mobilidade. Frequentam “festas e bares, e como eles ficam com poucos sintomas continuam móveis. E agora estamos chegando numa época, com natal e ano novo, que geralmente tem a tradição de reunir todas as gerações da família. Se encontram com avôs, avós, tios, mães. E quando acontece isso pode gerar esse efeito cascata da contaminação, até chegar nos idosos, que começam o pico de óbitos e os hospitais lotam mais”, prevê.
Canadá, trágico exemplo
O coordenador da Rede Análise Covid-19 compara a situação ao surto de casos do novo coronavírus no Canadá. Sete dias após o Dia de Ação de Graças, o Thanksgiving, no dia 12 de outubro, a taxa de transmissão do vírus passou de 1,04 para 1,18. Sendo que, quanto maior o número, cada infectado transmite a doença para mais pessoas.
Em novembro, o primeiro-ministro do país, Justin Trudeau, precisou cobrar dos líderes regionais um aumento das restrições. Atualmente, segundo a Agência Einstein de Notícias, o Canadá segue em alta, com mais de sete mil notificações por dia de casos de covid-19. Algumas províncias, entre elas Ontário, decretaram um novo lockdown.
“E a situação do Brasil é que já estamos chegando perto desse pico de óbitos mesmo antes das festividades de fim de ano. Se a projeção seguir o que aconteceu no Canadá podemos ter uma explosão de casos e de óbitos em janeiro”, aponta Isaac.
Só distanciamento salva
Segundo ele, o risco de transmissão dos jovens para os idosos, a emenda com o pico de SRAG podem também se acumular com a situação de calamidade de algumas unidades de saúde. Em Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde o cientista de dados vive, diretores dos seis hospitais da cidade e o prefeito Flávio Cassina (PTB) declararam, nesta quinta, o colapso da rede hospital e apelaram para que a população adote as medidas de prevenção ao coronavírus.
Isaac contesta a estratégia. “Essa é uma doença social, ela ataca a sociedade como um todo”, diz. Isso torna, segundo ele, insuficiente o apelo das autoridades para comportamentos individuais. Para o cientista de dados, a mídia e os líderes governamentais precisam rediscutir a importância das medidas de distanciamento social, deixadas em segundo plano diante da possibilidade de uma vacina contra a covid-19. “Temos que lembrar às pessoas que precisamos ter a menor mobilidade possível. Que precisamos fazer apenas o essencial (fora de casa) e com cuidados de máscara, higiene, distanciamento físico, preferir o trabalho remoto, se for possível”, sugere.
“Penso que estamos presos numa ilha. Essa pandemia é como se estivéssemos presos numa ilha e nossa vida estivesse fora dela. Estamos presos, mas conseguimos o resgate, entramos em contato e eles vão nos buscar, que nesse caso é a vacina. Só que vai demorar para chegar o resgate e está vindo um tsunami e esse tsunami vai chegar antes do resgate. Então o que temos que fazer é se proteger o máximo possível desse tsunami, antes do resgate chegar, para as pessoas estarem vivas. Para quando chegar o resgate nós não termos perdidos mais um monte de vidas com esse tsunami”, compara Isaac Schrarstzhaupt. (Rede Brasil Atual)