Jornalista que entrou para a história do Brasil ao ajudar a derrubar a ditadura militar de 64, Audálio Dantas diz, nessa entrevista exclusiva à TV 247, realizada por Leonardo Attuch, Alex Solnik e Marco Damiani (convidado especial), que “o que estão fazendo com Lula desde o começo você não tem outra palavra para classificar senão sacanagem”.
“Estão fazendo a maior sacanagem com esse cara”, disse o jornalista.
Embora nunca tenha sido do PT, ele quer ver Lula candidato em 2018: “Defendo o direito dele de se candidatar e não sofrer as safadezas que armam contra ele”.
A presidente Dilma, na opinião dele, foi vítima de um golpe: “Mesmo que ela tivesse sido péssima, de qualquer jeito, a imputação que fizeram contra ela, com tanto ladrão no governo foi uma injustiça enorme”.
“Precisaram inventar uma palavra para poder destituir uma presidenta da República... essa coisa caracterizou o golpe de maneira claríssima”.
Ele não entende como Temer ainda não caiu: “Eu nunca vi um presidente da República com tantas evidências, claríssimas evidências de comportamento ruim, não só do ponto de vista da corrupção. Isso está claro”.
A situação atual ele descreve assim: “É uma coisa tão absurda que você vê o noticiário, de televisão, principalmente a Globo, com todo aquele festival do Jornal Nacional e vê 'mais um golpe', 'mais um sujeito que levou 300 milhões' que você não quer nem saber”.
“Como é que o país aguenta uma situação como essa? Como é que o país aguenta ter um presidente que de repente é substituído pelo Eunício de Oliveira”?!
A sua avaliação do Congresso Nacional é categórica: “Eu não tenho dúvida, eu já fui congressista. Esse é o pior congresso da história desse país”.
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LEONARDO ATTUCH: Você começou na imprensa em 1954, ano da morte de Getúlio. Dias atrás o Fernando Henrique colocou num artigo que o momento político brasileiro é o mais grave desde o suicídio de Getúlio. Você já viu muita coisa em jornalismo, mas já viu uma crise do tamanho dessa que estamos vivendo no Brasil?
AUDÁLIO DANTAS: Não. Eu acho que a crise da morte de Getúlio foi um processo semelhante de se dar um golpe, só que eles não tinham tanta safadeza naquele tempo. Carlos Lacerda falava pelos cotovelos, acusava de qualquer jeito, mas não havia e não houve essa preparação que nos levou a uma situação hoje que não se pode nem descrever. Outro dia eu estava pensando o seguinte: é uma coisa tão absurda que você vê o noticiário, de televisão, principalmente a Globo, com todo aquele festival do Jornal Nacional e vê “mais um golpe”, “mais um sujeito que levou 300 milhões” que você não quer nem saber...
LEONARDO: A população está cansada. Todos os amigos do presidente presos...
ALEX SOLNIK: É a banalização da corrupção, milhões passando pra cá, milhões passando pra lá...ninguém se espanta mais...
AUDÁLIO: O espanto maior é que tudo isso começou com alguma coisa muito bem armada pra levar o povo pra rua sem saber exatamente porque estava indo pra rua. E hoje que há todos os motivos pro povo ir pra rua o povo não vai.
LEONARDO: As pessoas estão anestesiadas. É uma coisa que a gente estava falando agora há pouco...
MARCO DAMIANI: Há uma distinção para você entre povo e classe média? Não foi um movimento típico da elite pequeno burguesa, reacionária? Porque o povo propriamente não foi lá...
AUDÁLIO: Eu ia chegar lá, foi bom você lembrar porque, na verdade, aquela massa, porque foi uma massa que foi pras ruas, não tem nada a ver com esse povão que pega o trem de manhã. Essa gente foi levada por um... por um... acho que isso foi armado já em 2013...
LEONARDO: As manifestações já tinham manipulação aí?
AUDÁLIO: Já estava evidente, porque não havia líder, não havia liderança para aquela coisa, não tinha ninguém falando nada como coisa efetiva...
ALEX: A liderança era um pato amarelo..e a Globo....
AUDÁLIO: O pato amarelo da Fiesp que agora está dando um jeito no Rodrigo Maia...
LEONARDO: Pois é, o Rodrigo Maia está pintando, mas só para a gente não perder o foco nas manifestações... você vê manipulação em 2013... qual foi o papel efetivo da imprensa brasileira nesse processo?
AUDÁLIO: Ah...foi de absoluto apoio às manifestações, era evidente... a televisão começava a noticiar, entre aspas, a manifestação do dia 5 no dia 25 do mês anterior...
LEONARDO: Era uma promoção... uma convocação praticamente...
AUDÁLIO: Eram chamadas... várias chamadas... e no dia da manifestação estava na rua antes do povo, se é que se pode falar em povo. Um absurdo porque aquilo pareceu para aquela gente um festival.
LEONARDO: Quase um carnaval...
AUDÁLIO: É... aquelas camisas amarelas...selfies com o batalhão de choque... onde é que já se viu em alguma parte do mundo alguém já viu uma jovem bonita, sensual, fazendo selfies com o batalhão? Um contraste miserável... geralmente são mulheres louras... louras com um fundo preto, negro, ameaçador do Batalhão de Choque. Então, eu me perguntava o que é que está acontecendo. E continuo com a convicção de que isso vem desde fora...
LEONARDO: Influência americana, dos Estados Unidos?
AUDÁLIO: Eu não tenho provas, mas tradicionalmente é por aí... isso me cheirou a Primavera Árabe, só que de uma maneira festiva...
LEONARDO: Uma maneira brasileira...carnavalizada...
MARCO: A embaixada americana em Brasília, como todas as embaixadas americanas pelo mundo é uma central da CIA... e a embaixadora no Paraguai depois do golpe contra Lugo veio pra cá...
LEONARDO: Esteve em Honduras e no Paraguai antes de vir ao Brasil.
MARCO: Isso. Honduras, Paraguai, Brasil. Acho que combina com o que você está falando.
AUDÁLIO: Ela veio fazer uma escala democrática...(risos)
ALEX: Você não acha que o que está acontecendo deriva de que essa gente que passeava na Paulista aos domingos é que está representada no Congresso, muito mais do que o povo? Não é essa a situação?
AUDÁLIO: Sem dúvida. Aliás, falando em Congresso, esse Congresso aí, eu não tenho dúvida, eu já fui congressista. Na ditadura. Na ditadura. Esse é o pior congresso da história desse país. O pior...
LEONARDO: Totalmente dominado pelo dinheiro, pelo perfil empresarial, conservador...
AUDÁLIO: É tudo... as posições que se assume hoje... por exemplo, o crescimento do Bolsonaro é um reflexo desse Congresso. Aquela cena de 2016, do pré-impeachment...botou o Congresso escancaradamente como um antro de analfabetos e de aproveitadores...
LEONARDO: Aquela sessão do dia 17 de abril...
AUDÁLIO: Isso...
LEONARDO: Quando as pessoas foram lá para declarar o voto... o dia da vergonha, vamos dizer assim... voto no papai e na mamãe...
AUDÁLIO: Foi aquele dia... mas ali você tinha desde o oportunista que queria se aproveitar da circunstância ao analfabeto total...
ALEX: Teve o senador que se orgulhava de ter sido reprovado três vezes no vestibular...o Magno Malta... “nunca passei no vestibular” ele se vangloriava...
LEONARDO: A gente começou falando em Getúlio e esse processo acabou desembocando no Rodrigo Maia. Na sua opinião, Temer já está descartado? Ele volta da Alemanha pra cair?
AUDÁLIO: O que eu acho é que se não voltar agora, devia...porque eu nunca vi...
ALEX: É a última viagem...
AUDÁLIO: Eu nunca vi um presidente da República com tantas claríssimas evidências de comportamento ruim, não só do ponto de vista da corrupção. Isso está claro. E eu acho que no caso dele não é novidade. É uma coisa que já vinha de algum tempo...
LEONARDO: Já se sabia, né?
AUDÁLIO: É. Agora... como é que o país aguenta uma situação como essa? Como é que o país aguenta ter um presidente que de repente é substituído pelo Eunício de Oliveira?! Falando assim, o Rodrigo Maia é uma consequência lógica...
LEONARDO: O Rodrigo Maia é uma consequência lógica. Mas, então, você acha assim... vamos imaginar: 54 terminou em suicídio... a gente tem o Temer, depois o Rodrigo Maia, o Rodrigo Maia fica, vai pra eleições diretas? Como é que você enxerga o desfecho dessa crise?
AUDÁLIO: Primeiro, eu perguntaria que elite é que o país tem. Uma elite que tem um líder empresarial como Skaff...que bota um pato amarelo na avenida Paulista... é acusado pela Lava Jato, né? E continua dando aí palpite, apoia o governo Maia. Eu acho que...
LEONARDO: A classe empresarial inteira já está embarcando no Rodrigo Maia...
AUDÁLIO: Mas aí, ele e toda a elite brasileira, com raras exceções, naturalmente, embarcou numa coisa absurda que é, primeiro, a gente não deve tirar o Temer porque não sabe o que vai acontecer depois; agora já está querendo que o Temer saia para entrar uma coisa que é pior que o próprio Temer.
ALEX: Mas qualquer coisa que pintar fora antecipação das eleições vai ser pior.
AUDÁLIO: Exatamente.
ALEX: O melhor seria o próprio Temer convocar eleições.
AUDÁLIO: A preocupação maior é não ter uma eleição direta, como setores da sociedade pretendem.
LEONARDO: E porque tanto medo do povo, na sua opinião?
AUDÁLIO: Pois é. Mas esse medo do povo é antigo! O medo do povo deu, por exemplo, em 1954 primeiro. Foi claro. E houve vários sub-episódios de medo do povo, não foi só a queda do Getúlio.
LEONARDO: Juscelino também não podia disputar, não podia vencer...
AUDÁLIO: Os pequenos golpes militares... Araguaia...
ALEX: Aragarças... Juscelino...
AUDÁLIO: Aragarças, exatamente...tudo isso foram sinais, eles estavam dizendo chega de Getúlio, porque Getúlio trouxe, mesmo com a ditadura – toda ditadura é abominável – mas ele trouxe progressos para o país que são inegáveis em todos os sentidos. No sentido econômico com a industrialização... as leis trabalhistas... e todas essas questões que os caras não aceitam, não querem que isso prospere. Então, fizeram tudo pra derrubar Getúlio e aqueles outros movimentos e finalmente foram vitoriosos em 1964.
LEONARDO: Vitoriosos pela força, na verdade, não pelo voto ...a classe média de certa forma aderiu...
ALEX: Agora, confronto não teve... Jango abandonou o palácio...
AUDÁLIO: Em 1964 eu era chefe de reportagem da revista O Cruzeiro e eu fui pra rua, não aguentava ficar na redação. Fui pra rua com o pessoal. A Marcha da Família as pessoas com o terço e o rosário na mão foi mais ou menos o que aconteceu na Avenida Paulista...
LEONARDO: É o antecedente dessas manifestações...
ALEX: Veio o Padre Peyton, dos Estados Unidos...
LEONARDO: O medo do comunismo...
AUDÁLIO: E o empresariado agindo desbragadamente, trabalhando por um golpe... e na Marcha da Família eu confesso que eu voltei pra casa e não consegui dormir. Porque parece aquela coisa do sexto sentido. Eu estava sentindo que essa situação estava marchando de mal a pior...
MARCO: Audálio, falar do papel histórico da direita, OK. Eu me lembro muito bem de você presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, de uma gestão que veio logo depois da greve, sob o comando do Emir Nogueira, aliás, do David de Moraes, desculpe, muita presença da esquerda na base, o PT nascente. Eu queria que você me falasse do papel do PT na resistência a esse golpe armado pela direita, pela classe média nesse momento. Eu sou de esquerda e sou desmoralizado porque as pessoas me dizem que eu sou do PT. Eu nunca fui do PT, fui do PCB... me chamavam de reformista... depois, chegaram ao poder e entregaram de bandeja. Eu queria saber a tua visão sobre o PT.
AUDÁLIO: Antes de você terminar eu já ia dizer o seguinte: eu nunca fui do PT também e eu conto no meu livro As duas guerras de Vlado Herzog: na semana seguinte ao assassinato o sindicato virou uma trincheira e um desaguadouro de aflições de todo lado. De todas as tendências.
LEONARDO: Só pontuando, pra quem não conhece a história, o Audálio era o presidente do Sindicato dos Jornalistas quando foi assassinado Vladimir Herzog.
AUDÁLIO: Então, pegando a sua deixa vou dizer: as coisas não começaram com o assassinato de Vlado Herzog. Claro que foi o momento de manifestação mais forte. Da reação. Da resistência, melhor dizendo, não gosto da palavra “reação”. Começou muito antes. Quando nós tomamos posse da diretoria do sindicato... resultou essa posse de um movimento de baixo para cima que veio das redações e foi vitorioso por uma razão muito simples. Eu tinha plena consciência disso. Foi vitorioso porque foi plural. Não era de uma tendência. Ele tinha muita influência do Partido Comunista, do Partidão, mas não era exclusivo do Partidão. Tinha várias tendências que estavam no movimento que levou à vitória da oposição no sindicato. Eu demorei quase um mês para aceitar o convite que me fizeram para eu ser candidato. Porque eu queria ser repórter. Eu estava em plena atividade. Quando eu me convenci foi no sentido de que eu ia partir para uma ação política. Não era para uma ação sindical. Porque os sindicatos tinham... tinha aqui e ali um era pior, outro melhor, mas o nosso mesmo estava há dez anos sob grupos da direita, que apoiavam a ditadura militar. E essa foi a razão principal da nossa candidatura. E aí, quando nós tomamos posse no sindicato, já no mês seguinte nós tínhamos debate sobre a censura, o que era proibido. Propusemos um debate sobre a política salarial e por aí afora. Dois meses depois eu fui convocado para...
LEONARDO: ... para prestar esclarecimentos...
AUDÁLIO: Para prestar esclarecimentos.
MARCO: O PT entendeu a tua posição?
AUDÁLIO: Eu vou chegar lá. Eu comecei a sentir a oposição do pré-PT. O pré-PT, as pessoas que queriam um partido popular, aquela coisa toda, essas pessoas me fizeram oposição sistemática e sabe em nome de quê? De que eu era do Partidão! (Risos) Eu não era do Partidão! Eles se indignavam. Como é que se pode fazer oposição numa situação dessas, ir contra alguém que está enfrentando a ditadura!? Já em julho, depois principalmente em agosto veio a armação dos milicos dizendo que havia uma infiltração comunista na imprensa, imagine você. E eu fui rebatendo. Até que começaram a prender jornalistas. Pegaram o Serjão Gomes no dia 5 de outubro, depois outros até o dia 25, quando assassinaram o Vlado...
MARCO: Foram 12?
AUDÁLIO: É, 12. O Vlado foi o décimo-segundo. E aí eu vivi o inferno porque o pessoal da Libelu, não era nem o PT, eram essas tendências amalucadas que tem por aí e o pessoal da Libelu queria a minha pele.
MARCO: E a direita também. E você imprensado entre a direita e a Libelu...
AUDÁLIO: No dia do sepultamento do Vlado... o sepultamento do Vlado foi o primeiro que não foi feito escondido. Todos os assassinados pela ditadura foram enterrados em silêncio. O Vlado, não. Por que? O sindicato primeiro responsabilizou os militares pela morte, não dizendo, claro que era um assassinato, e convidou para o sepultamento, dois dias depois. Eles queriam que fosse no dia seguinte como foi com Manuel Fiel Filho, três meses depois.
LEONARDO: Você escreveu, há alguns anos, As duas guerras de Vlado Herzog. O sepultamento, então, foi um ponto de virada? A ditadura começou a chacoalhar...
AUDÁLIO: Não tenho dúvida. Não tenho dúvida. Mas o que eu queria contar é o seguinte: não começou com o Vlado; começou com o primeiro jornalista preso. O sindicato se manifestou a cada prisão. Bom, mas aí eu estava sofrendo o embate interno. Na semana seguinte, quando o sindicato virou um ponto de encontro de todo mundo que era contra a ditadura um dia eu saí para uma reunião, tinha gente propondo passeata ao II Exército! Seria como querer fechar o sindicato! Quando eu saí, tem aquele corredor que vai pra sala da diretoria e eu fui literalmente sem pisar no chão, de tanta gente que tinha, não dava pra passar até que chegou um sujeito, me emparedou no meio do caminho e disse: vem cá, você é do Partidão, não é”? Eu disse “não”. “Como, não é do Partidão? É do PC do B, é daqui, é dali então”. “Não sou de nenhuma dessas organizações”. E ele: “quer dizer que você não passa de um liberal de merda”?! (Risos) Eu nunca vou me esquecer disso porque aí eu pensei “o que é que isso? O que é que eu estou fazendo aqui? Isso aqui é uma loucura”!
LEONARDO: Nas últimas manifestações tinha muita gente que apoia o Bolsonaro pedindo a volta da ditadura militar. Como você vê isso?
AUDÁLIO: Eu acho que é um produto esperado pelos setores que armaram o golpe. Os setores que armaram o golpe previam isso, eu acho, porque o povo foi pra rua sem saber exatamente pra que, queriam alguma saída e a saída seria, para alguns feupos, a volta dos militares. Eu acho que não foi à toa.
LEONARDO: Você acha que há risco de uma nova ditadura no Brasil ou não?
AUDÁLIO: Curiosamente, isso pode ser pura intuição, mas eu acho que não. Eu acho que não, porque foi dada à sociedade, não vou falar “o povo” porque “povo” é uma coisa muito especial foi dada a oportunidade de dizer que tudo aquilo foi uma...
LEONARDO: Armação?
AUDÁLIO: Não que fosse uma armação... mas foi alguma coisa inútil... que não levou a nada... e, pior ainda, levou a que uma quadrilha nunca imaginada tomasse o poder.
ALEX: Como é que a gente pode definir este momento? É democracia? É meia democracia? O que é? Você falou que tem uma quadrilha no poder. Democracia não combina com quadrilha no poder. Como é que se chama isso?
AUDÁLIO: Esse é um dos problemas: como é que chama? Outro dia eu escrevi um textinho no facebook que era... como era o título mesmo? “Mal e porcamente”. (Risos) Os caras insistem, quando você fala em golpe, os caras insistem em dizer que...as instituições estão funcionando. E eu digo: mas como estão funcionando? Você não pode classificar como democracia instituições que funcionam desse jeito. Cada uma com golpes... golpe no Congresso...
LEONARDO: E até no Supremo.
AUDÁLIO: Golpe no Supremo.
ALEX: Cada ministro diz uma coisa...
LEONARDO: Lula não pode ser ministro, mas o Moreira Franco pode...
MARCO: É sobre esse personagem que eu quero falar... eu provoquei em relação ao PT pelo lado ruim... mas o grande inspirador do PT e o grande produto do PT, o Lula, pode ser o redentor dessa situação? Se houver Diretas você vai de Lula? E outra: ele é o maior líder popular desde Getúlio? Pode ser comparado só a Getúlio mesmo? É isso que eu tenho pra mim, eu queria a tua opinião.
AUDÁLIO: Redentor jamais!
MARCO: isso pegou mal... (risos)
AUDÁLIO: O que estão fazendo com Lula desde o começo você não tem outra palavra para classificar senão sacanagem. Estão fazendo a maior sacanagem com esse cara! Ele cometeu... eu nunca fui do PT , mas participei das reuniões para discussão e fundação do PT , Teotônio Vilela...Fernando Henrique... Goldman... todo esse pessoal ia nessas reuniões de formação do PT. Eu desisti num dia... porque o Lula era aquela palavra definitiva... ninguém discutia a palavra do Lula... “pra ter um, Bush eu não quero”...
LEONARDO: Já era assim lá atrás...
AUDÁLIO: É claro...
LEONARDO: Então, hoje é muito mais.
AUDÁLIO: Aí, no dia em que aquele evangélico do Rio que foi deputado e foi cassado... um sujeito conhecido... bom, era um sujeito conhecido que tinha sido cassado pela ditadura... alguém falou que a gente precisava organizar o movimento dos trabalhadores, etc... ele levantou e disse: nós devemos pedir desculpas aos trabalhadores pelo que não fizemos por eles até hoje... foi mais ou menos isso... não se trata disso... os trabalhadores fazem parte do povo... aí eu desisti. Mas continuei indo pra praça... isso foi antes da greve de 80... continuei enfrentando batalhão de choque junto com Teotônio Vilela...e votei todas as vezes no Lula.
MARCO: Votou no Lula? Lula ainda é a esperança?
AUDÁLIO: Pelo seguinte. Porque analisei... ele é mais de cá do que de lá... os erros que ele possa ter cometido é outro problema...
ALEX: É absurdo a esquerda discutir uma candidatura alternativa a Lula quando ele está em primeiro em todas as pesquisas...
LEONARDO: Você votaria novamente no Lula se ele conseguir ser candidato?
AUDÁLIO: Depende do quadro, mas defendo o direito dele de se candidatar e não sofrer as safadezas que armam contra ele.
LEONARDO: O processo contra Lula começou quando o PT chegou ao quarto mandato. A direita disse bom... quatro anos, oito anos, doze, dezesseis daqui a pouco o Lula volta e vão ser 20 anos... será que não bateu o desespero?
AUDÁLIO: Isso sem dúvida, sem dúvida aconteceu. Eles achavam que mais um governo petista poderia dominar o Brasil...Eu continuo defendendo o direito do Lula ser candidato e conforme for votarei nele mais uma vez, não tenha dúvida...
LEONARDO: E o governo Dilma, como você avalia e ela como figura histórica?
AUDÁLIO: Olha, a Dilma fez um governo democrático, evidentemente, possibilitando investigação, coisa que não se faz mais... se faz do jeito...
LEONARDO: ... que se fazia antes...
AUDÁLIO: ... que se fazia antes... mas eu acho que ela foi vítima. Mesmo que ela tivesse sido péssima, de qualquer jeito, a imputação que fizeram que hoje fica claro, com tanto ladrão no governo, que foi uma injustiça enorme...
LEONARDO: As tais pedaladas fiscais...
AUDÁLIO: Precisaram inventar uma palavra para poder destituir uma presidenta da República...essa coisa caracterizou o golpe de maneira claríssima...
MARCO: Agora, um sujeito com quem você conviveu de perto, que estava nessa frente ampla que você falou foi Fernando Henrique. Como é que você vê hoje o governo dele de oito anos?
LEONARDO: O fato de ele ter apoiado também esse processo de golpe...
AUDÁLIO: Mas esse aí apoia tudo...
ALEX: Tudo o quê?
AUDÁLIO: Tudo que seja mais light, digamos assim...
MARCO: Ele sempre foi assim? Desde aquele tempo?
AUDÁLIO: Eu sempre defendi... quando a ditadura inventou o pluralismo partidário... quando saiu do bipartidarismo... eu era deputado... eu fui um dos que lutaram internamente contra... parece contraditório... eu era contra a vinda de outros partidos, porque estavam preparando exatamente o surgimento de outros partidos que impedissem o avanço da frente democrática. Eu acho que a frente democrática continua sendo necessária.
LEONARDO: Você tem mais de 60 anos de atividade jornalística. O que você diria hoje a um jovem jornalista que vê esse panorama de uma imprensa que de alguma maneira apoiou o processo anti-democrático?
AUDÁLIO: No dia Primeiro de Abril, quando tudo já estava liquidado eu fui outra vez pra rua. Fui no Dia da Marcha e fui no dia Primeiro de Abril de 64. Passei o dia correndo, pegando informação tentando entender aquela coisa e voltei naquele dia bem mais tarde... a redação da revista O Cruzeiro era na rua Sete de Abril... eu deixava o carro no estacionamento da rua da Consolação um estacionamento aberto que fechava às 10... eu cheguei às 11 e meia, já estava escabreado, puto da vida, aí, chego lá, está fechado o portão, mas eu vejo uma guarita... o homem da guarita veio e disse “ah, como estão as coisas”? E eu disse: “As coisas estão ruins... estamos fodidos”...e aí ele disse: “outra vez, doutor”? (Risos) Na semana seguinte, aquele trabalho que eu fiz com os meus colegas não saiu uma linha na revista O Cruzeiro. Saiu uma capa de festejo e foguetes. Eu me senti traído.
LEONARDO: Então a imprensa sempre foi um aparelho ideológico da classe dominante?
AUDÁLIO: Ficou claro que a grande imprensa não só apoiou o golpe como apoiou a ditadura... deu sustentação...
ALEX: Até uma certa hora...
AUDÁLIO: Mas isso tem a ver com Herzog, meu caro... isso começou a partir de 80, tem a ver com as greves e com a campanha das eleições diretas...Mas, então, depois eu entrevistei o Ruy Mesquita e ele falou com muita ênfase que o Estadão não só apoiou a Revolução, como eles falavam, como conspirou. Eu não falei isso pra ele, é claro, mas é papel da imprensa conspirar? Depois eles começaram a ser censurados...
ALEX: E aí romperam com a ditadura porque censura dá prejuízo...censuravam todos os furos, os jornais iam vender o que pros leitores?
AUDÁLIO: É isso... é negócio...
LEONARDO: Mas você continua acreditando então?
AUDÁLIO: Continuo... mas era uma questão de marketing... eles apoiaram a ditadura até o momento em que viram que estavam perdendo a freguesia...O que se vê agora é que os caras estão enroscados...os donos da grande mídia... pô, e agora? (247).
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