Ao comentar com apoiadores nesta
segunda-feira (28) a denúncia de irregularidades na compra da vacina Covaxin, o
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que não tem como saber o que
acontece nos ministérios de seu governo.
Em entrevista à Folha de S.Paulo
publicada horas antes, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou que o esquema
de corrupção do Ministério da Saúde pode ser "muito maior" do que o
caso Covaxin, investigado pela CPI da Covid do Senado e pela Procuradoria.
A existência de denúncias de
irregularidades em torno da compra da vacina indiana Covaxin foi revelada pela
Folha no dia 18, com a divulgação do depoimento sigiloso de Luis Ricardo ao
Ministério Público Federal. Desde então, o caso virou prioridade da CPI no
Senado.
"Ele [o deputado Luis Miranda]
que apresentou [informações sobre a compra da vacina], eu nem sabia como é que
estavam as tratativas da Covaxin porque são 22 ministérios. Só o ministério do
Rogério Marinho [Desenvolvimento Regional] tem mais de 20 mil obras. [O
Ministério da Infraestrutura], do Tarcísio [de Freitas] não sei, deve ter
algumas dezenas, centenas de obras."
"Não tenho como saber. O da
Damares [Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos], o da
Justiça, o da Educação. Não tenho como saber o que acontece nos ministérios,
vou na confiança em cima de ministro, e nada fizemos de errado", disse
Bolsonaro.
Bolsonaro reconheceu novamente ter
recebido a visita de Luis Miranda, mas afirmou que "aqui vem tudo quanto é
tipo de gente". "Não posso falar: 'Você é deputado, deixa eu ver tua
ficha aí'. Eu ia receber pouca gente. Recebo todo mundo", disse.
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diz à CPI que Bolsonaro citou envolvimento de Ricardo Barros• CPI pode
comunicar ao STF crime de prevaricação por parte de Bolsonaro• "Não foi
uma escolha difícil", afirma Leandra Leal, sobre Bolsonaro
O presidente também rebateu o
entendimento de que o caso Covaxin trinca o discurso anticorrupção do governo,
como a Folha mostrou na semana passada.
"Agora, os caras botam a
narrativa 'a vacina fissura o governo Bolsonaro no tocante à corrupção'",
queixou-se o presidente, que alegou que nenhuma vacina foi de fato comprada.
"Inventaram a corrupção virtual, né? Não recebemos uma dose, não pagamos
um centavo", disse Bolsonaro.
Um dos apoiadores se referiu aos
senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, Omar
Aziz (PSD-AM), presidente da comissão, e ao deputado Renildo Calheiros (PC do
B-PE), irmão do relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), como "os
três patetas", e Bolsonaro reagiu.
"Não são patetas, são bastante
espertos. Sabem o que querem. Querem o Brasil como era antigamente e viver na
impunidade. Eles estão fazendo a coisa para eles bastante certas. Eles estão de
parabéns para os objetivos deles", afirmou.
Após o líder do governo na Câmara,
Ricardo Barros (PP-PR), entrar no centro das apurações da CPI da Covid no
Senado sobre supostas irregularidades na compra da Covaxin, a oposição quer
paralisar votações no Congresso.
Líderes do centrão, no entanto,
dizem que ainda não há clima para travar debates, e esperam desdobramentos das
acusações apresentadas pelo servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo
Miranda e seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF).
Congressistas da oposição avaliam
citar o caso Covaxin no superpedido de impeachment que será apresentado contra
Jair Bolsonaro na próxima semana, ou elaborar uma proposta específica sobre as
suspeitas de irregularidade.
Ainda discutem com movimentos
sociais a possibilidade de antecipar protestos contra Bolsonaro que estavam
marcados para o fim de julho.
Já senadores governistas da CPI
minimizam as declarações do servidor e do deputado e dizem que não havia má-fé
da Precisa Medicamentos, que negociou a vacina com o Ministério da Saúde, ao
apresentar documento com dados errados. Os papéis foram parcialmente
retificados.
O QUE ACONTECEU APÓS A REVELAÇÃO DO
CASO PELA FOLHA
Reportagem aponta pressão atípica
(18.jun)
Em depoimento mantido em sigilo
pelo MPF (Ministério Público Federal) e obtido pela Folha, Luís Ricardo
Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde,
afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação
da vacina indiana Covaxin.
'É bem mais grave' (22.jun)
Irmão do servidor do Ministério da
Saúde, o deputado federal Luís Miranda (DEM-DF) disse à Folha que o caso é "bem
mais grave" do que a pressão para fechar o contrato.
Menção a Bolsonaro (23.jun)
Luis Miranda afirmou ter alertado o
presidente sobre os indícios de irregularidade. "No dia 20 de março fui
pessoalmente, com o servidor da Saúde que é meu irmão, e levamos toda a
documentação para ele".
CPI aprova depoimentos (23.jun)
Os senadores da comissão aprovaram
requerimento de convite para que o servidor Luís Ricardo Miranda preste
depoimento. A oitiva será nesta sexta-feira (25) e o deputado Luis Miranda
também será ouvido.
Os parlamentares também aprovaram
requerimento de convocação (modelo no qual a presença é obrigatória) do
tenente-coronel Alex Lial Marinho, que seria um dos autores da pressão em
benefício da Covaxin. A CPI também decidiu pela quebra de sigilo bancário,
fiscal, telefônico e telemático de Lial Marinho.
Denúncia grave (23.jun)
Presidente da CPI, o senador Omar
Aziz (PSD-AM) afirmou que as denúncias de pressão e a possibilidade de que o
presidente Jair Bolsonaro tenha tido conhecimento da situação talvez seja a
denúncia mais grave recebida até aqui pela comissão.
Bolsonaro manda PF investigar
servidor e deputado (23.jun)
O presidente mandou a Polícia
Federal investigar o deputado Luis Miranda e o irmão dele, Luis Ricardo
Fernandes Miranda. O ministro da Secretaria-Geral, Onyx Lorenzoni, e Elcio
Franco, assessor especial da Casa Civil e ex-secretário-executivo do Ministério
da Saúde, foram escalados para fazer a defesa do presidente. Elcio é um dos 14
investigados pela CPI.
Empresa diz que preço para Brasil
segue tabela (23.jun)
A Precisa Medicamentos,
representante no Brasil do laboratório indiano Bharat Biotech, afirmou que o
preço de US$ 15 por dose da vacina oferecido ao governo segue tabela mundial e
é o mesmo praticado com outros 13 países.
Governistas dizem que Bolsonaro
repassou suspeitas a Pazuello (24.jun)
Senadores governistas da CPI
afirmaram que o presidente pediu que Pazuello verificasse as denúncias
envolvendo a compra da Covaxin assim que teve contato com os indícios.
'Acusação é arma que sobra'
(24.jun)
Bolsonaro fustigou integrantes da
CPI, repetiu que não há suspeitas de corrupção em seu governo e afirmou que a
acusação sobre a vacina é a arma que sobra aos seus opositores. "Me acusam
de quase tudo, até de comprar uma vacina que não chegou no Brasil. A acusação é
a arma que sobra", disse o presidente na cidade de Pau de Ferros, no Rio
Grande do Norte.
'Foi o Ricardo Barros que o
presidente falou' (25.jun)
Em depoimento à CPI da Covid, o
deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), que é irmão do servidor do Ministério
da Saúde Luis Ricardo Miranda, afirmou ter alertado Bolsonaro. "A senhora
também sabe que foi o Ricardo Barros que o presidente falou", disse o
parlamentar à senadora Simone Tebet (MDB-MS). Segundo ele, Bolsonaro afirmou:
"Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda. Se eu mexo nisso aí, você
já viu a merda que vai dar, né? Isso é fulano. Vocês sabem que é fulano".