Na corrida mundial para garantir a imunização contra a Covid-19, o Canadá tornou-se, ontem, o terceiro país a aprovar a vacina da sociedade Pfizer-BioNTech — a BNT162b2 — em caráter emergencial, após Reino Unido e Bahrein. Enquanto isso, o governo do premiê israelense, Benjamin Netanyahu, informou que o país começará a vacinação em 27 de dezembro, após ter recebido um primeiro lote do imunizante produzido pelo consórcio.
Os anúncios foram feitos horas depois de autoridades do serviço de saúde pública britânico advertirem que, por precaução, pessoas com histórico de reações alérgicas significativas não devem receber a substância da Pfizer/BioNTech. O alerta ocorreu porque dois funcionários do Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido, que estiveram entre os primeiros a receber a vacina na terça-feira, sofreram reações alérgicas e precisaram de tratamento.
O diretor médico do NHS na Inglaterra, Stephen Powis, explicou que as duas pessoas, ambas com histórico de alergias, estão se recuperando de maneira adequada. Segundo a Agência Reguladora de Medicamentos e Produtos de Saúde (MHRA), orgão independente britânico que liberou o imunizante da Pfizer, as reações alérgicas significativas incluem medicamentos, alimentos ou outras vacinas. Informada sobre o problema, a Pfizer afirmou que durante os testes clínicos de fase 3 em mais de 40 mil pessoas, a vacina foi “bem tolerada em geral, sem o registro de problemas de segurança graves”.
Protocolos
Ainda na terça-feira, quando os britânicos começaram a ser vacinados, o diretor-executivo do laboratório, Albert Bourla, disse que entendia a inquietação internacional com a velocidade que as empresas farmacêuticas produzem as vacinas contra o coronavírus. Mas insistiu que todos os protocolos de segurança são respeitados.
Ontem, ao aprovarem o imunizante em caráter emergencial, as autoridades sanitárias do Canadá asseguraram que a substância “cumpre as exigências rigorosas do Ministério em matéria de inocuidade, eficácia e qualidade” para uso no país. “Os canadenses podem ficar seguros de que o processo de revisão foi rigoroso”, garantiu o Ministério da Saúde.
Em Israel, um carregamento da vacina é aguardado para hoje, dois dias depois da chegada do primeiro lote de um milhão de doses. “Estou pedindo que cada cidadão israelense seja vacinado e para consegui-lo, como devo ser um exemplo, serei o primeiro a ser vacinado em Israel”, disse Benjamin Netanyahu, sem informar o local.
Segundo o premiê, o Ministério da Saúde está trabalhando em um “passaporte verde”, que dará livre acesso aos imunizados. “Quem tiver sido vacinado poderá mostrar um certificado ou um documento, com o qual poderá entrar em eventos, supermercados e todo tipo de serviços”, disse, acrescentando: “Isso incentivará a vacinação e nos ajudará a retornar logo à normalidade.”
Rússia e China também começaram a inocular uma pequena parte de suas populações com vacinas próprias. Nos Estados Unidos, o presidente eleito, Joe Biden, prometeu que vai vacinar pelo menos 100 milhões de cidadãos em seus primeiros 100 dias de governo, que começa em 20 de janeiro.
Toda essa movimentação acontece em um momento de elevação dos casos do coronavírus. Na Alemanha, com 590 mortes e 20 mil diagnósticos entre terça-feira e ontem, a chanceler Angela Merkel admitiu que as restrições em vigor não são suficientes e, por isso, pediu restrições mais severas.
Documentos hackeados
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA), que avalia emitir autorizações para várias vacinas contra a covid-19, anunciou, ontem, ter sido alvo de um ciberataque. Em Washington, a Pfizer informou que, durante o hackeamento, foram acessados ilegalmente documentos vinculados ao processo de regulamentação da sua vacina. “Não foi violado nenhum sistema da BioNTech ou da Pfizer em relação a esse incidente e não temos conhecimento de que se tenha acessado nenhum dado pessoal”, comunicou o laboratório. Espera-se que a EMA decida sobre a aprovação condicional da vacina da Pfizer/BioNTech em uma reunião antes de 29 de dezembro. A agência também estuda as vacinas dos laboratórios Moderna, AstraZeneca-Universidade de Oxford e da Johnson & Johnson.
Em meio à grave crise sanitária provocada pelo novo coronavírus, o número de refugiados e deslocados no mundo superou a marca de 80 milhões de pessoas em meados deste ano. Trata-se de um recorde, classificado como um “marco sombro” pelo chefe do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Filippo Grandi advertiu que a situação vai piorar se “os líderes mundiais não acabarem com as guerras”.
“A comunidade internacional não consegue preservar a paz”, disse Grandi, em referência aos deslocamentos forçados, que dobraram na última década.
No início do ano, o número de pessoas obrigadas a abandonar suas casas por perseguições, conflitos e violações dos direitos humanos era de 79,5 milhões. Segundo os cálculos do Acnur, superou 80 milhões poucos meses depois.
O número de 79,5 milhões inclui 45,7 milhões de pessoas deslocadas em seus países, 29,6 milhões de refugiados e outras pessoas apartadas de forma obrigatória fora de seus territórios, além de 4,2 milhões de demandantes de asilo.
“Os conflitos existentes e os novos, assim como o novo coronavírus tiveram consequências dramáticas em sua vida em 2020”, afirmou a agência das Nações Unidas, por meio de um comunicado. A violência na Síria, na República Democrática do Congo, Moçambique, Somália e Iêmen provocaram novos êxodos no primeiro semestre do ano.
A situação ganha contornos ainda mais graves por conta da pandemia. As medidas adotadas na maioria dos países para frear a propagação do novo coronavírus afetaram a ajuda aos refugiados.
De acordo com o monitoramento das Nações Unidas, no momento mais intenso da pandemia, em abril, 168 países fecharam de maneira total ou parcial suas fronteiras, e 90 não fizeram exceções para os solicitantes de asilo.
Direitos violados
Relatório divulgado, ontem, pela ONG International Idea registra que seis em cada 10 países do mundo adotaram medidas problemáticas em termos de direitos humanos, ou de normas democráticas, para enfrentar a pandemia de coronavírus. O estudo, que abrange quase todas as nações, conclui que 61% delas implementaram ações consideradas “ilegais, desproporcionais, sem limite de tempo, ou desnecessárias”, em ao menos uma esfera relativa às liberdades democráticas.
Embora 90% dos regimes autoritários tenham violado direitos fundamentais, a organização, com sede em Estocolmo, aponta que 43% dos países considerados democráticos também cometeram abusos. “O mais surpreendente é que tantas democracias tenham adotado medidas que são problemáticas”, opinou Kevin Casas-Zamorra, secretário-geral da ONG.
A International Ideal, especializada justamente no monitoramento no estado da democracia mundial, examinou as diferentes ações do ponto de vista estrito dos direitos humanos, sem considerar a eficácia para o sistema de saúde.
Entre as deliberações preocupantes citadas por Casas-Zamora estão as restrições à liberdade de imprensa em nome da luta contra a desinformação, a mobilização de militares para aplicar as regras, acampamentos para internar pacientes, corrupção em contratos de fornecimento na área da saúde e o tratamento dos migrantes.
Ranking
Maior democracia do mundo, a Índia lidera a classificação mundial, com medidas questionáveis em nove dos 22 âmbitos examinados (liberdade de movimento, de expressão, de imprensa, entre outras). Na sequência, aparecem Argélia e Bangladesh (8), seguidas por China, Egito, Malásia e Cuba (7).
A Rússia tem seis áreas de preocupação, assim como Arábia Saudita, Mianmar, Jordânia, Sri Lanka e Zimbábue. Na União Europeia, cinco países são mencionados: Bulgária (3 áreas), Hungria e Polônia (2), Eslováquia e Eslovênia (1).
Os Estados Unidos aparecem em duas áreas. Israel foi mencionado em cinco. A Argentina também foi citada em duas. Países como França, Itália, Alemanha e Espanha não estão entre os mais bem posicionados, mas não provocam preocupação nesta área.
Entre os países citados como modelo, com bons resultados de saúde e respeito à democracia, estão Islândia, Finlândia, Nova Zelândia, Noruega, Coreia do Sul, Taiwan, Uruguai, Chipre, Japão, Senegal e Serra Leoa.
“A pandemia foi um acelerador de tendências que já eram observadas antes do vírus. Os países mais autoritários foram ainda mais, enquanto as democracias com problemas para garantir o respeito dos direitos humanos agravaram sua situação”, disse Casas-Zamora.
Para ele, o próximo desafio para a saúde democrática dos países é o impacto da crise econômica. O estudo da ONG, iniciado em julho, contou com a colaboração da Comissão Europeia. (Por: Correio Braziliense).