'Ele não tinha o direito de envolver as Forças Armadas a fazer uma comissão para investigar urnas eletrônicas. O resultado foi humilhante', afirmou o presidente eleito
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), dircursou nesta quinta-feira (10) durante encontro com parlamentares aliados no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, e criticou duramente Jair Bolsonaro (PL) por envolver as Forças Armadas no processo eleitoral.
Por pressão de Bolsonaro, os militares montaram uma comissão para acompanhar e fiscalizar as eleições. Após semanas de mistério, o Ministério da Defesa divulgou nesta quarta-feira (9) um relatório sobre o processo eleitoral. O documento não comprova qualquer fraude nas eleições e não sustenta nenhuma das acusações que Bolsonaro fez ao longo de toda a campanha contra as urnas eletrônicas e o sistema de votação. "Vocês estão vendo que ainda tem na frente de quartéis algumas pessoas inconformadas com o resultado eleitoral, por conta de toda denúncia, de todas as fake news, de todas as mentiras contadas sobre o processo eleitoral, de que as urnas eletrônicas não eram sérias. Eu me recordo do Saddam Hussein dizendo que tinha que enfrentar os Estados Unidos porque os Estados Unidos diziam que ele tinha armas químicas e ele não tinha coragem de dizer que não tinha. E ontem aconteceu uma coisa humilhante, deplorável para as nossas Forças Armadas. Um presidente da República, que é o chefe supremo das Forças Armadas, não tinha o direito de envolver as Forças Armadas a fazer uma comissão para investigar urnas eletrônicas, coisa que é da sociedade civil, dos partidos políticos e do Congresso Nacional. E o resultado foi humilhante", disse Lula.
O presidente eleito afirmou que Bolsonaro tem o dever de pedir desculpas às Forças Armadas e ao povo brasileiro. "Eu não sei se o presidente está doente, não sei, mas ele tem a obrigação de vir à televisão e pedir desculpas à sociedade brasileira e às Forças Armadas, por ter usado as Forças Armadas, uma instituição séria, uma garantia para o povo contra possíveis inimigos externos, fosse humilhada, apresentando um relatório que não diz nada, nada, absolutamente nada daquilo que ele, durante tanto tempo, acusou. Um presidente pode errar, mas ele não pode mentir. Não é aceitável que um presidente da República minta para o seu povo. E nós, ontem, acabamos de provar que um presidente que tinha sido eleito cinco vezes deputado pela urna eletrônica, que teve seus filhos eleitos pela urna eletrônica, colocasse em dúvida a urna eletrônica. Ele sabia que ia perder as eleições, ele tinha certeza que ia perder. Não foi a disputa entre dois homens, entre dois partidos, entre dois candidatos. Foi a disputa entre um candidato e a máquina do Estado, porque ela foi utilizada na sua totalidade: a inteligência, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviáia [Federal], a polícia de cada estado, os empresários ameaçando".
Mesmo após o rápido discurso feito por Bolsonaro na última semana, para Lula, "ele ainda não reconheceu a derrota". "Seria tão fácil fazer como fez o Alckmin quando disputou comigo, como fez o Serra quando disputou comigo, como eu fiz duas vezes com Fernando Henrique Cardoso quando eu perdi as eleições. Pega o telefone e diz: 'olha, parabéns pela tua vitória'. E anuncia ao país, esse país tem um perdedor e um vencedor. Ele ainda não teve coragem de fazer isso, como Saddam Hussein morreu sem coragem de reconhecer que o Iraque não tinha armas químicas. Ele afundou o país por conta de uma mentira que só ele acreditava. Portanto, o presidente Bolsonaro tem uma dívida com o povo brasileiro. Peça desculpas pela quantidade de mentiras que foram contadas nessa eleição e pelas ofensas que fez à urna eletrônica, que é um modelo que o mundo inteiro teria que usar. A maior economia do mundo [Estados Unidos] está contando papelzinho até agora".
Lula também enviou um recado aos bolsonaristas que, desde a proclamação do resultado da eleição presidencial, protestam em alguns pontos do país pedindo golpe militar. "Lamentávelmente tem gente, uma minoria, que está na rua pedindo - eles não sabem nem o que pedem, mas estão pedindo. Eu, se pudesse dizer para essas pessoas, voltem para casa. Democracia é isso, um ganha e outro perde, um ri e o outro chora. É assim em qualquer esporte, em qualquer política. Quantas vezes eu chorei porque perdi? Quantas vezes cheguei em casa achando que tudo tinha acabado para mim? E hoje eu descubro que uma derrota é apenas um incentivo para eu me preparar melhor para a outra disputa eleitoral. Então se vocês estiverem ouvindo pela internet, voltem para casa, não sejam violentos com crianças, não sejam violentos com quem pensa diferente de vocês. Vamos respeitar quem não é igual a gente, quem não pensa como nós pensamos. Vamos respeitar quem não gosta do candidato que nós gostamos. A democracia é isso, é viver democraticamente na diversidade. Eu não peço para ninguém gostar de mim, só peço para as pessoas: respeitem o resultado eleitoral, porque nós vencemos as eleições e vamos recuperar esse país".
Lula também falou sobre os encontros que teve na quarta-feira com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber. O petista ainda rasgou elogios ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes. "Ontem eu vim aqui para visitar as instituições brasileiras para dizer o seguinte: a partir de agora vocês vão ter paz, porque vocês não vão ter um presidente desaforado querendo intervir na suprema Corte, na Justiça Eleitoral. Não é possível. Os ministros da suprema Corte não podem ir a um restaurante, ir ao cinema, não podem sair de casa. O presidente do tribunal eleitoral [Alexandre de Moraes], que teve uma coragem estupenda, que é um homem que teve um comportamente exemplar, é o orgulho de todo o Brasil - e não importa se o Alexandre de Moraes é conservador, se é progressista, se é de direita, de centro. O que importa é que ele foi de muita coragem e muita dignidade na lisura e no compromisso de dirigir essas eleições".
Lula se comprometeu ainda a defender as empresas públicas do país. "O nosso compromisso é muito simples: é reconstruir esse país. A democracia está de volta, a civilidade está de volta. Esse povo vai ser ouvido, vai ter o direito de dar palpite naquilo que nós temos que fazer. Quero dizer para vocês que as empresas públicas brasileiras serão respeitadas. A Petrobrás não vai ser fatiada, o Banco do Brasil não vai ser privatizado, a Caixa Econômica, o BNDES e o BNB [Banco do Nordeste] voltarão a ser bancos de investimentos, inclusive para pequenos e médios empreendedores".
Ele também criticou os megadividendos da Petrobrás, inclusive o último, e denunciou a tentativa de Bolsonaro de zerar os caixas da petrolífera e do BNDES para prejudicar o próximo governo. "Só nesse período de governo já vai mais de US$ 150 bilhões pagos em dividendos para os acionistas da Petrobrás, e nada para investimento. E essa semana inventaram a distribuição de mais US$ 50 bilhões de um possível lucro futuro. Qual é a ideia? Esvaziar o caixa da Petrobrás para que a gente não possa fazer nada, e vocês sabem que esse país hoje não consegue refinar a quantidade de gasolina que ele precisa. Nós já fomos exportadores de gasolina, e agora nós refinamos por volta de 79%. É por isso que tem 390 e poucas empresas importanto gasolina dos Estados Unidos, pagando em dólar. Agora eu estou sabendo que eles vão pegar mais não sei quanto do BNDES, agora, antes da nossa posse, para também deixar o BNDES vazio, para que a gente não tenha capacidade de investimento". (Por Guilherme Levorato, 247).