Cada vez mais frequente, a lombalgia, um dos tipos de dor nas costas, afeta severamente a qualidade de vida das pessoas. - Foto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco
A dor nas costas é uma das mais frequentes. Um estudo publicado na revista The Lancet Rheumatology sobre a prevalência dessa patologia, estima que mais de 600 milhões de pessoas padeceram dela no mundo em 2020 e sugere que, em 30 anos, serão mais de 800 milhões afetados. Os autores apontam o tabagismo, a má postura no trabalho e a obesidade como principais fatores de risco para essa doença, que já é — e pretende continuar sendo — a principal causa de incapacidade.
A lombalgia é aquele desconforto mais ou menos intenso na região lombar, “entre a décima segunda costela e as pregas glúteas e que dura um dia ou mais”, definem os autores do estudo. Segundo Marcos Paulino, presidente da Sociedade Espanhola de Reumatologia, que não participou do estudo, aponta que a pesquisa descreve o que os médicos estão acostumados a ver em consultório.
— É uma epidemia, algo muito frequente. E é uma patologia difícil de prevenir porque, mesmo que se recomende exercício físico, ter um bom peso e evitar más posturas, há 60% de lombalgias que não têm explicação. Apenas 40% são evitáveis — afirma.
Na revisão sistemática, pesquisadores de várias nacionalidades usaram informações do Global Burden of Disease (GBD) Study 2021 — uma grande investigação epidemiológica observacional mundial sobre diferentes patologias — para estimar a prevalência de dor lombar entre 1990 e 2020 em mais de 200 países. Os dados mostraram que a lombalgia afetou 619 milhões de pessoas no planeta em 2020 e que, em 2050, serão cerca de 843 milhões. A maior prevalência padronizada por anos foi encontrada na Europa Central, especificamente na República Tcheca e na Hungria; a menor prevalência foi registrada nas Maldivas e em Mianmar.
Esse aumento nos próximos anos se deve, segundo Garland Culbreth, pesquisadora do Institute for Health Metrics and Evaluation da Universidade de Washington e autora do estudo, "às tendências de crescimento e envelhecimento populacional".
Como essa condição já era, segundo os autores, a primeira causa de incapacidade, os pesquisadores também mediram os anos vividos com incapacidade (YLD, por sua sigla em inglês). Este indicador reflete o impacto da doença — neste caso, dor lombar — na qualidade de vida e calcula que um YLD é um ano inteiro de vida saudável perdido devido a incapacidade ou problemas de saúde. Em 2020, observam os autores, houve 69 milhões de anos vividos com incapacidade devido à dor lombar, “e embora tenha havido uma ligeira diminuição desde 1990 na porcentagem de YLD por todas as causas em todo o mundo, a dor lombar ainda foi a principal contribuinte ao YLD em todo o mundo”, apontam.
Os cientistas verificaram que a prevalência global é maior nas mulheres do que nos homens em todas as faixas etárias, embora os anos pesem sobre a patologia: a prevalência de lombalgia e os anos vividos com incapacidade aumentam com a idade, sendo o grupo dos 80 aos 84 anos o com a maior taxa. De fato, um quinto dos idosos com dor lombar relatam dificuldades para cuidar de si mesmos em casa ou participar de atividades sociais e familiares.
Marcos Paulino afirma que a região lombar é "o calcanhar de Aquiles do ser humano, uma área muito sensível e que sofre com mais frequência".
— Cerca de 80% da população terá dor lombar em algum momento de suas vidas. O bom desse estudo é que ele quantifica e pode fazer com que transcenda a magnitude do problema — reflete
Tabagismo, obesidade e trabalho
Os autores apontam o tabagismo, a obesidade e a falta de ergonomia no trabalho como os principais fatores de risco — embora não os únicos — que desencadeiam a dor lombar. O risco de dor lombar atribuído ao uso de tabaco foi maior entre os homens de meia-idade e menor entre as mulheres de 15 a 49 anos, enquanto a influência das posturas de trabalho foi mais forte entre os homens adultos jovens (15 anos a 49 anos) e menos em mulheres com mais de 70 anos. O risco de dor lombar por ter um alto índice de massa corporal foi maior em mulheres de 50 a 69 anos.
Manuela Ferreira, membro do grupo Sydney Muscoskeletal Health da Universidade de Sydney e autora do estudo, explica como o tabaco funciona:
— Fumar tem sido associado ao comprometimento da circulação nas estruturas da coluna vertebral, por exemplo, o disco e as articulações, assim como com o enfraquecimento dos ossos. Mas também sabemos que fumar está frequentemente associado a outros fatores do estilo de vida, como inatividade física, obesidade, falta de sono, todos associados a um risco aumentado de desenvolver dor lombar”.
A pesquisadora também aponta que um índice de massa corporal (IMC) alto "pode estar ligado a outros fatores de estilo de vida pouco saudáveis que podem aumentar o risco de dor lombar, mas também é possível que um IMC alto aumente a carga nas estruturas da coluna vertebral, predispondo-as a lesões". Sobre os fatores ocupacionais, Ferreira justifica seu papel:
— Fatores ocupacionais que podem contribuir para o risco de desenvolver lombalgia incluem levantar objetos pesados, ficar sentado ou em pé por muito tempo, dobrar e girar o tronco repetidamente, além de estresse e fadiga — detalha.
A alta prevalência desta doença em todo o mundo, alertam os pesquisadores, “pode ter consequências sociais e econômicas importantes, especialmente considerando o custo substancial dos cuidados para esta condição”. E dão um exemplo: de 2012 a 2014, os custos diretos para todas as pessoas com problemas de coluna nos Estados Unidos foram de 315 bilhões de dólares. Soma-se ao peso econômico do atendimento médico a essa patologia o impacto trabalhista: sua alta prevalência na população ativa causa afastamentos do trabalho e até aposentadoria prematura: "Nos Estados Unidos, 15,4% da força de trabalho registra uma média de 10,5 dias de trabalho perdidos por ano devido à lombalgia crônica”, exemplifica o estudo.
Drogas ineficazes
Os autores desconfiam da potencial eficácia de alguns medicamentos, observando que "paradoxalmente, o uso de tratamentos com pouca ou nenhuma eficácia pode retardar a recuperação e potencialmente aumentar o risco de incapacidade de longo prazo relacionada às costas e, consequentemente, aumentar a carga de esta doença globalmente".
— Muitos tratamentos atualmente oferecidos para controlar a dor lombar têm pouca, nenhuma ou eficácia desconhecida. Estes incluem analgésicos simples, como paracetamol, e fortes, como opioides, terapias físicas (tração, ultrassom, estimulação elétrica nervosa transcutânea) e muitos procedimentos cirúrgicos, como fusão cirúrgica. Quando essas opções são dadas para substituir tratamentos que melhoram os sintomas de dor lombar, como exercícios, intervenções psicológicas e aconselhamento estruturado, podem atrasar a recuperação — lamenta Ferreira.
Em destaque estão, sobretudo, os opioides contra a dor: na Austrália, por exemplo, essa classe de medicamentos é o remédio mais prescrito para lombalgia. Tendo como pano de fundo a gravíssima epidemia de opioides que varre os Estados Unidos, os pesquisadores lembram que esses remédios “são responsáveis por eventos adversos significativos à saúde” e advertem contra seu uso.
— Esta estratégia é prejudicial não só porque os opiáceos estão associados a efeitos adversos graves, incluindo a morte por overdose, mas os benefícios dos opiáceos na melhoria da dor e função em doentes com lombalgia são, na melhor das hipóteses, modestos — pontua Ferreira.
Paulino admite que são necessários "tempo e recursos" para melhorar a resposta a esta patologia.
— Para enfrentar bem o problema, conhecer bem a doença, fazer exercícios ou aprender técnicas de relaxamento para lidar com a dor, é preciso tempo. E a gente vive numa sociedade tão acelerada que o paciente quer uma coisa rápida, um comprimido, porque tem que trabalhar ou voltar às suas atividades. A abordagem seria melhor se tivéssemos mais tempo e recursos — finaliza.
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