DIU de cobre - Foto: Ministério da Saúde/Divulgação
Um estudo publicado nessa quarta-feira (16) na revista científica JAMA encontrou uma ligação entre mulheres que usam dispositivos intrauterinos contraceptivos (DIU) que liberam um determinado hormônio e um risco maior de desenvolver câncer de mama. Os pesquisadores destacam, no entanto, que embora a chance seja maior entre as usuárias dos dispositivos, o risco geral de desenvolver o tumor permanece baixo de um modo geral.
A pesquisa analisou 78.595 mulheres na Dinamarca com idades entre 15 e 49 anos que usavam DIUs do hormônio levonorgestrel, conhecidos como DIU Mirena, e as comparou com outras 78.595 mulheres com perfis semelhantes, mas que não usavam os dispositivos.
Ao fim, os cientistas do Instituto do Câncer Dinamarquês concluíram que aquelas que usavam DIUs de levonorgestrel tiveram uma chance 40% maior de desenvolver câncer de mama em relação às outras. É aproximadamente o mesmo aumento que já foi observado com as pílulas anticoncepcionais orais.
No entanto, Ilza Maria, presidente da comissão de anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), avalia que esse risco não é considerado significativo estatisticamente e que há fatores difíceis de serem incluídos no estudo que podem influenciá-lo:
— Percebemos que os estudos com esse DIU apresentam esse risco aumentado, mas o grupo de mulheres que usa esse DIU muitas vezes já é de maior risco, como mulheres que não tiveram filhos, ou seja, não têm o fator protetor da amamentação, mulheres que têm sangramento intrauterino aumentado, que costumam apresentar outros fatores de risco para câncer de mama, como obesidade e síndrome metabólica. Então é difícil concluirmos uma ligação causal entre o DIU e os casos de câncer observados. E o risco aumentado apontado sempre é baixo.
Isso porque, mesmo com o aumento do risco, o câncer de mama continua raro em mulheres com menos de 50 anos e extremamente raro em mulheres com menos de 30 anos. Para comparação, aquelas na faixa dos 30 anos nos Estados Unidos têm hoje um risco de 1 em 204 para a doença – o que seria elevado com o DIU de levonorgestrel para cerca de 1,4 em 204.
O presidente do departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Mayo Clinic, nos EUA, Daniel Breitkopf, reforça a importância de deixar claro o risco geral ao falar sobre possíveis efeitos dos contraceptivos hormonais: — A maneira como falo com as pacientes sobre isso é: se eu disser que vou dobrar suas chances de ganhar na loteria, você ainda assim não vai sair e comprar um bilhete, porque as chances de ganhar ainda serão muito, muito baixas.
O especialista enfatiza que mesmo para pacientes com risco médio de câncer de mama, muitas vezes os benefícios dos contraceptivos superam os riscos. Ilza Maria, da Febrasgo, lembra ainda que há uma proteção para outros tipos de tumores decorrentes do DIU, o que não é levado em consideração no estudo:
— Os dispositivos são considerados muito seguros, não existe nenhuma associação clara de aumento significativo para dizer o contrário. E você tem uma proteção contra casos de câncer de colo de útero, de endométrio e até mesmo de ovário, que é um câncer extremamente letal. A lista de benefícios é longa. Então a mensagem é que as mulheres podem ficar tranquilas.
Os DIUs hormonais, que se tornaram cada vez mais populares nos últimos anos, evitam uma gestação indesejada por fornecerem pequenas quantidades de hormônios dentro do útero, bloqueando a ovulação. Na Dinamarca, onde o estudo foi conduzido, são a principal forma de contracepção entre mulheres que já têm filhos, diz Lina Morch, chefe da equipe de pesquisa do Instituto do Câncer Dinamarquês e principal autora do novo estudo.
Há muito tempo existe uma ligação entre outros tipos de contraceptivos hormonais e o risco elevado de câncer de mama, com trabalhos anteriores mostrando que as mulheres que tomam pílulas anticoncepcionais têm um risco de 20% a 60% maior.
Um estudo realizado em 2010 com mais de 100 mil enfermeiras descobriu que as pílulas que usavam levonorgestrel pareciam ser responsáveis pela maior parte do risco excessivo associado aos anticoncepcionais orais. O trabalho, juntamente com outros, sugeriu que esse aumento diminui quando o uso é interrompido.
No ano passado, um grande estudo do Reino Unido também constatou que os contraceptivos com progestinas (hormônios sintéticos que imitam os efeitos da progesterona) estavam associados a um aumento de aproximadamente 20% a 30% no risco de câncer de mama, sejam eles tomados na forma de pílulas, injetados ou administrados por DIU. O levonorgestrel é um tipo de progestina.
Já o novo artigo na JAMA analisa especificamente as mulheres que não usaram nenhum outro contraceptivo hormonal até cinco anos antes do início do estudo, o que possibilitou relacionar mais estreitamente seus resultados ao DIU de levonorgestrel.
Os pesquisadores combinaram as usuárias de DIU com as não usuárias que tinham um histórico semelhante de uso de contraceptivos hormonais antes desse período e que compartilhavam outras características, incluindo idade, número de gestações e níveis de escolaridade. A idade média das mulheres no estudo foi de 38,3 anos.
No grupo de usuárias do DIU, houve um acréscimo de 14 casos de câncer de mama por 10.000 mulheres em cinco anos em relação às outras. O número de casos adicionais aumentou entre aquelas que usaram os dispositivos por mais de cinco anos, mas não havia um número suficiente a longo prazo para realizar conclusões estatisticamente significativas, explica Morch.
Uma possível limitação do estudo é que ele não levou em conta a frequência com que as mulheres faziam exames para detecção de câncer de mama, pondera Christopher Li, epidemiologista especializado na doença do Centro de Câncer Fred Hutch, nos EUA, que não participou da pesquisa. As mulheres com DIU podem ter maior probabilidade de acessar o serviço de saúde e fazer o exame, o que leva a taxas mais altas de detecção de câncer, avalia Li.
Porém, a Dinamarca tem acesso universal à assistência médica, diz Morch, portanto os pesquisadores responsáveis pelo estudo não esperam que tenham ocorrido diferenças na triagem entre usuárias e não usuárias de DIU. A cientista acrescenta que o trabalho controlou os níveis de escolaridade, o que poderia representar as diferenças no conhecimento das pessoas e a frequência com que elas usam o sistema de saúde.
Entre as limitações, o estudo também não discriminou como o risco de câncer de mama associado ao uso do DIU variava de acordo com a idade, o que é importante porque ele geralmente cresce com o passar do tempo.
Breitkopf, da Mayo Clinic, defende que, embora os DIUs apresentem riscos, que também incluem coágulos sanguíneos e maior probabilidade de depressão, eles podem prevenir a gravidez na vasta maioria dos casos com segurança e eficácia e reduzir significativamente o sangramento menstrual intenso.
— Para muitas pessoas, essa é uma melhoria que altera a vida — afirma. Ele diz ainda que não recomendaria o anticoncepcional para pacientes com forte histórico familiar ou risco genético de câncer de mama, mas “para a maioria das pessoas com risco médio de câncer de mama, ainda é uma boa opção”.
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