Por: Agência Brasil
Foto: Nelson Almeida/AFP
Apesar da fronteira com a Venezuela ter sido fechada desde março deste ano por causa da pandemia do novo coronavírus (covid-19), migrantes e refugiados continuam nos abrigos do estado de Roraima (RR) esperando por uma oportunidade de morar no Brasil. Devido à crise política, social e econômica no país vizinho, muitos venezuelanos atravessaram a fronteira em busca de recursos até mesmo de refúgio no país. Neste sábado, 20 de junho, é celebrado o Dia Mundial do Refugiado.
Nos últimos anos, a principal entrada de venezuelanos por Pacaraima (RR), seguindo depois para a capital Boa Vista. Isso motivou um acúmulo de pessoas abrigadas na região. Com o grande impacto nos serviços públicos locais, o governo federal passou a atuar, desde abril de 2018, na interiorização de refugiados para outros estados.
“Em Boa Vista, a gente passou muita coisa. Falavam de um serviço: a gente ia fazer o serviço, era gente boa e pagava direitinho, mas tinham outros, que, praticamente, trabalhávamos quase de graça”, diz o venezuelano Ronny René Fuenmayor Garcia, de 26 anos, que fazia bicos de pintor, pedreiro e jardineiro junto com o pai, para garantir a renda da família.
Há dois anos, a família de Ronny se dividiu para deixar a Venezuela e buscar novas oportunidades no Brasil. Na época, seu pai Richard Torrealba, de 40 anos, trabalhava no país, mas a situação econômica piorou devido à crise política e o que recebia não garantia mais o sustento da família.
Segundo relatos dos pais de Ronny - Richard e Annis Josefina Garcia, 43 anos - eles chegaram cruzando a fronteira em Pacaraima. O pai veio primeiro, ganhou dinheiro trabalhando e conseguiu trazer a esposa Annis.
Em seguida, vieram os filhos: primeiro o mais velho, Ronny, e depois o mais novo, Wilmer, de 19 anos. Por fim, a esposa de Ronny e sua filha, além de sua irmã caçula Ridmary, de 14 anos, atravessaram a fronteira. Eles ficaram durante um ano e oito meses em Roraima, onde a família cresceu mais um pouco, com o nascimento da segunda filha de Ronny.
Todos conseguiram os documentos brasileiros e obtiveram a autorização para residência temporária. Dois deles fizeram solicitação de reconhecimento da condição de refugiado ao Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) e aguardam uma resposta.
Atualmente o Brasil soma 43 mil pessoas vivendo no país como refugiadas, o que garante acesso a serviços públicos de saúde e educação, por exemplo, a estrangeiros que deixaram sua pátria de origem em situações extremas. Desse total, quase 38 mil são venezuelanos. Os dados são do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), colegiado formado por membros do governo e da sociedade civil, vinculado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Trabalho
Em Roraima, a família ficou em abrigos para imigrantes e chegou a alugar uma casa, que pagavam com o dinheiro dos bicos que faziam. “Na metade do ano passado, começou a ser muito difícil, a gente não arrumava serviço. Se a gente arrumava o dinheiro para comprar comida, não dava para pagar o aluguel. Se a gente pagava o aluguel, não comia. Aí a gente foi atrás da interiorização, meu pai foi lá, fez o cadastro, até que deu certo”, disse Ronny.
No início de 2020, Richard e o filho Wilmer foram selecionados para trabalhar em um frigorífico na cidade de Seara, em Santa Catarina (SC), na Região Sul, a partir do projeto Acolhidos por meio do trabalho, da Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI Brasil), que tem o objetivo de fortalecer as ações da Operação Acolhida, força-tarefa humanitária liderada pelo governo brasileiro e a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), em Roraima. O projeto facilita a interiorização de migrantes venezuelanos para outras cidades brasileiras, onde há oportunidades de trabalho.
Junto com eles, a esposa Annis e a filha caçula se mudaram para o Sul, em um imóvel garantido pela AVSI e com acompanhamento de um assistente social, para ajudar na adaptação local, além de orientar sobre educação financeira. Passados três meses de experiência na empresa, Richard conseguiu alugar uma casa por conta própria e, com as economias, a família comprou uma passagem para Ronny se juntar a eles. Na próxima segunda-feira (22), ele começa a trabalhar no mesmo frigorífico em que o pai e o irmão já estão empregados.
“Essa crise humanitária venezuelana é uma das maiores do mundo, já considerada pelas organizações internacionais como uma crise bastante séria. Há essa entrada muito grande de venezuelanos aqui no Brasil, obviamente existe uma pressão muito grande no estado de Roraima, que tem um PIB pequeno”, explicou Thais Braga, gerente especial do projeto na AVSI Brasil.
A entidade é responsável também pela gestão de oito dos 13 atuais abrigos da Operação Acolhida, que acomodam os migrantes e solicitantes de refúgio no estado de Roraima. Cerca de seis mil pessoas continuam nesses abrigos e, aproximadamente, metade desta população é composta por crianças, segundo dados da AVSI.
“A AVSI atua tanto na parte da emergência lá, com atendimento de necessidades básicas, como acolhimento, alimentação, de atendimento médico, mas tem o segundo passo, que é como ajudar essas pessoas em um processo de desenvolvimento, que é o que esse projeto pretende. [Fazemos isso ao] dar melhores oportunidades, condições e apoio para poderem recomeçar a vida”, disse Thais.
Futuro
O objetivo de Ronny agora é juntar dinheiro para trazer a esposa e as duas filhas, que ainda estão em Boa Vista. “Lá em Roraima ficou minha mulher com minhas duas filhas. Estou esperando começar a trabalhar, para mandar passagem para ela vir para cá. Na Venezuela, ficou minha outra irmã mais velha. Ela está querendo vir, mas, com a pandemia, não pode entrar ainda no Brasil.”
Para ele, a situação da família melhorou desde que conseguiram emprego em Santa Catarina. “Lá [Roraima] não tinha um serviço fixo, tinha vezes que só trabalhava uma vez por mês. Aqui [Santa Catarina], meu pai já tem um serviço fixo, já tem um salário. Isso melhora, porque ele tem como comprar alguma coisa, como pagar um aluguel, comprar comida. Não é fácil, não, porque a gente chegou aqui sem nada, a gente não tinha fogão, não tinha nada. Pouco a pouco vamos comprando as coisas.”
A gerente de projeto da AVSI falou das dificuldades de promover a interiorização neste momento por causa da pandemia. Antes da crise sanitária pela qual o país passa, a Operação Acolhida tinha a meta de interiorizar cerca de 3 mil venezuelanos por mês, incluindo por todas as modalidades de interiorização”, disse Thais.
Ela avalia que, apesar da desaceleração econômica, as empresas têm se sensibilizado, cada vez mais, e têm ficado mais conscientes a respeito da contratação de venezuelanos. “No longo prazo, acho que isso pode ser resgatado de alguma forma, quando a economia se reaquecer um pouco.”
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