Para o antropólogo Hugo Menezes, pesquisador da cultura popular, há uma forte solidez na cultura carnavalesca em Pernambuco
Por: Wellington Silva/folhape
Galo da MadrugadaFoto: Arthur de Souza/Folha de Pernambuco
Sempre em processo de ressignificação de símbolos, o Carnaval no
Brasil desde a sua criação incorpora manifestações culturais das mais diversas.
Muitos, contudo, não devem saber que a folia de Momo como conhecemos atualmente
foi inspirada no entrudo, festa popular portuguesa que se realizava nos três
dias que antecedem a Quaresma. Nela, os brincantes lançavam uns nos outros os mais
diversos produtos, como farinha, baldes de água, limões de cheiro etc.
Megalomanias à parte, Pernambuco respira essa manifestação durante todo o ano,
defendem estudiosos. Uma relação de amor pela festividade mais esperada pela
população.
Para o antropólogo Hugo
Menezes, pesquisador da cultura popular, há uma forte solidez na cultura
carnavalesca em Pernambuco. "Isso faz com que tenhamos uma festa de
dimensões muito maiores do que outros Estados e de fato uma festa emblemática
da relação com nossa identidade pernambucana. Uma festa que é referência para o
País inteiro, inclusive por ser grandiosa e extensa em seu calendário",
disse.
No calendário não oficial de
Momo, as festividades começam já no dia 7 de setembro com o primeiro ensaio da
Troça Carnavalesca Mista Pitombeira dos Quatro Cantos de Olinda. Contando a
partir de então, os pernambucanos teriam sete meses de envolvimento com a
festa. No entanto, Hugo Menezes reforça que ano inteiro se vive o Carnaval em
Pernambuco. "Os ensaios das prévias demandam toda uma organização
anterior. Eu digo que o Carnaval do Recife e Olinda chega ao seu ápice em
fevereiro, mas começa logo quando acaba o período oficial de folia."
Nessa perspectiva não seria
exagero dizer que temos o maior Carnaval do mundo. "Inclusive,
oficialmente temos uma folia estendida porque as prévias passam hoje a
constituir uma dimensão muito importante da festa. Quando acaba o Carnaval do
ano vigente, a gente já começa a pensar na festa do ano seguinte", disse o
professor do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE).
Quem concorda com essa dinâmica
é a professora Inez Campos. Moradora de Olinda, ela conta que a relação dela
com o Carnaval é praticamente embrionária pois a família dela sempre morou
próximo à Ladeira da Boa Hora, no Centro Histórico, onde a folia acontece. Ou
seja, desde que nasceu ela tem contato com a manifestação cultural. "O
Carnaval não se restringe apenas aos quatro dias. Para quem mora aqui
normalmente vive o Carnaval o ano inteiro, pois nas festas sempre tem frevo,
bloco", comentou.
Ela conta que a memória mais
antiga que tem da folia nas ladeiras de Olinda é de quando tinha entre 4 e 5
anos. "Minha mãe sempre fantasiava eu e meus e irmãos e nos levava. Eu via
minha avó vendendo tapioca, os blocos passando e eu pulando. Não me conheço sem
o Carnaval", comenta, lembrando que durante a adolescência fez aulas de
dança popular, nas quais teve um contato maior com o frevo. "Além de já
ser foliã e neta de tapioqueira também me tornei dançarina popular fazendo
Carnaval e participando dos shows, dos desfiles."
Influências
Antes de se tornar o que
conhecemos atualmente, o Carnaval passou por várias fases. O Brasil recebeu
influência dos bailes de outros países, como o da Itália, sobretudo de Veneza
com seus desfiles de máscaras. Muitos dos trajes e figurinos característicos do
século 18 tentavam reproduzir o estilo e a moda dos nobres daquela época, como
as máscaras, roupa de seda negra e chapéu de três pontas. Na década de 1880,
houve a junção do Carnaval de rua com o de salão e foi dessa união que nasceram
as associações carnavalescas.
Posteriormente, somaram-se a
essas o modelo das personagens da Commedia dell’Arte, figuras de representações
teatrais comuns na Itália e em toda Europa desde o século 16 até meados do
século 18, algumas cultuadas até os dias atuais, como Arlequim e Colombina.
Apesar da forte influência europeia, sobretudo nos bailes de carnaval
conhecidos como “Carnaval de Salão”, atualmente é um tanto quanto impreciso
falar do carnaval do Brasil como um todo.
As manifestações variam de
região para região e até mesmo de cidade para cidade. As mais expressivas
festas de carnaval do País são as da cidade do Rio de Janeiro, Salvador, Recife
e Olinda. "De fato temos carnavais muito diferentes porque as pessoas
vivem relações sociais distintas em cada cidade e porque o poder público
direciona para um modelo festivo diferente em cada lugar. Entretanto, nesses
lugares todos as discussões parecem se assemelhar sobre as noções de público e
privado e as relações das pessoas", comentou Hugo Menezes.
Em Pernambuco, há mais de uma
década o carnaval do Recife foi denominado pelos órgãos oficiais como “carnaval
multicultural” devido às diversas formas de manifestação popular observadas
nessa época do ano. De um lado, a tradição, representada pelos espetáculos
populares, como maracatu, blocos de frevo, troças, caboclinhos. De outro, a
cena musical contemporânea, com shows de artistas dos mais diversos ritmos.
Oficialmente, a abertura do
Carnaval do Recife acontece na sexta-feira que antecede o Sábado de Zé Pereira,
no Marco Zero da Cidade, com a programação da gestão municipal. Mas há quem
defenda que a festa realmente só ganha vida a partir do desfile do Galo da
Madrugada. Crítico de algumas mudanças do Carnaval, o historiador Leonardo
Dantas Silva defende que é preciso resgatar o modo como se fazia a folia.
"O Carnaval de chão virou de palco. Ninguém diz: 'Eu vou brincar o
Carnaval, eu vou cair no frevo'. Se diz: 'Eu vou ver o show tal'. As
agremiações passam imprensadas."
Por outro lado, o assistente de
pesquisa e historiador do Paço do Frevo, Luiz Santos, reforça que o Carnaval é
uma festa viva e como ser vivo vai estar sempre modificando. "Ele é feito
por pessoas e cada uma ao longo da sua trajetória de vida vai se relacionar com
outras que vão agregar identidade, formas de pensar e de ver o mundo. O
Carnaval constantemente está procurando dialogar com o mundo e querendo trazer
novas visões e principalmente maneiras de sentir", disse.
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