Doença se chama esporotricose e é causada
por um fungo que vive naturalmente no solo
Esporotricose: doença se concentra em animais da periferia e de comunidades carentes
(Isabella Dib Gremião/Agência Fapesp)
A doença se chama esporotricose e é causada por um fungo que vive naturalmente no solo, o Sporothrix sp..
No Brasil, Sporothrix brasiliensis é o agente etiológico mais prevalente, embora S. schenckii também seja encontrado em menor proporção.
Por meio de unhadas (o termo técnico é “arranhadura”), os gatos infectados transmitem o fungo a outros felinos, a cães e também a seus donos.
As lesões em humanos e cães geralmente não são tão severas como nos felinos e raramente impõem risco à vida.
Mesmo em gatos, que são mais afetados, a doença tem cura, mas o tratamento é caro e demorado.
E a doença se concentra em animais da periferia e de comunidades carentes, o que dificulta o tratamento devido principalmente ao custo.
“No Brasil, a esporotricose humana não é uma doença de notificação compulsória e, por isso, a sua exata prevalência é desconhecida”, disse a veterinária Isabella Dib Gremião, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Dermatozoonoses em Animais Domésticos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (INI/Fiocruz).
“Desde julho de 2013, devido ao status hiperendêmico da esporotricose no Rio de Janeiro, a doença se tornou de notificação obrigatória no estado. Apenas no INI/Fiocruz, unidade de referência no Rio de Janeiro, mais de 5 mil casos humanos e 4.703 casos felinos foram diagnosticados até 2015”, disse a pesquisadora.
Apenas naquele ano, segundo dados da Vigilância Sanitária do município do Rio de Janeiro, foram 3.253 casos felinos. Já em 2016, verificou-se um aumento de 400% no número de animais diagnosticados. Ao todo, o órgão fez 13.536 atendimentos no ano passado – seja nos institutos públicos veterinários, em assistência domiciliar ou comunitária. Em pessoas, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro registrou no ano passado 580 casos.
Essas estatísticas se referem apenas aos casos notificados. Os pesquisadores apontam que o nível de subnotificação deve ser grande. Gremião é a primeira autora de um trabalho que acaba de ser publicado na revista PLOS Pathogens sobre a transmissão da esporotricose entre gatos e humanos.
O biólogo Anderson Rodrigues, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), outro dos autores do artigo, estuda a genômica das muitas espécies do gênero Sporothrix (são 51, sendo cinco de relevância médica) para comparar seus DNAs com o do S. brasiliensis, o agente causador da doença emergente no Brasil e de longe a espécie mais virulenta.
Em pesquisa em seu pós-doutorado com Bolsa da FAPESP, Rodrigues descreveu em 2016 uma nova espécie, Sporothrix chilensis, isolada a partir do diagnóstico de um caso humano em Viña del Mar, no Chile.
“A análise comparativa dos genomas de Sporothrix permitirá identificar grupos de genes especificamente ligados aos fatores de virulência e mecanismos de sobrevivência durante a infecção”, disse Rodrigues.
“Nossa expectativa é ampliar significativamente a compreensão da diversidade genética e resposta fisiológica em Sporothrix, um passo inicial para o desenvolvimento de métodos melhores para controle desses patógenos”, disse.
Transmissão e tratamento
Não se sabe como o Sporothrix brasiliensis começou a infectar os gatos. Até o aumento no número de casos no Rio de Janeiro, a esporotricose era considerada uma doença muito esporádica e ocupacional, lembra Rodrigues.
Ela é conhecida como a “doença dos jardineiros”, pelo fato de os primeiros casos diagnosticados nos Estados Unidos no fim do século 19 terem sido entre plantadores de rosas.
O fungo ocorre naturalmente no solo e sobre a superfície de plantas como a roseira. No caso norte-americano, os pacientes se infectaram ao se arranhar em seus espinhos.
O primeiro diagnóstico de esporotricose animal no Brasil é de 1907, entre ratos naturalmente infectados nos esgotos da cidade de São Paulo – os primeiros casos felinos ocorreram nos anos 1950.
“A doença tradicionalmente acometia uma a duas pessoas ao ano. Mas em 1998 o total de casos no Rio de Janeiro começou a crescer”, disse o professor Zoilo Pires de Camargo, chefe do Laboratório de Micologia Médica e Molecular da Unifesp e coordenador do Projeto Temático “Biologia Molecular e Proteômica de fungos de interesse médico: Paracoccidioides brasiliensis e Sporothrix schenckii”, conduzido de 2010 a 2016 com apoio da FAPESP, orientador de Rodrigues no seu pós-doutorado.
Do Rio de Janeiro, a doença se espalhou para outras cidades fluminenses, e de lá para outros estados. A recente emergência da esporotricose felina na região metropolitana de São Paulo chama a atenção dos pesquisadores da Unifesp e do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), onde 1.093 casos foram confirmados nos últimos anos.
Já há casos de esporotricose em todo o Sudeste e o Sul do Brasil. Começam também a se manifestar na região Nordeste e no exterior. Em Buenos Aires, em 2015, foram relatados cinco casos humanos positivos.
Apesar de existir outras espécies de fungos do gênero Sporothrix espalhadas pelo mundo e que também provocam a doença, segundo os pesquisadores a epidemia brasileira é única, pelo agente etiológico a atacar felinos, por ter se tornado uma zoonose a partir do momento que os gatos passaram a transmitir o fungo aos humanos e pelo expressivo número de casos.
“Nos anais da medicina, o maior surto de esporotricose teria ocorrido nos anos 1940 entre mineiros na África do Sul.
A origem da infecção nos 3 mil casos relatados estava no madeiramento de sustentação das galerias das minas, onde havia colônias de Sporothrix. Uma vez identificados os focos, a madeira foi tratada e a epidemia acabou”, disse Camargo.
No Brasil, além da falta de capacidade de fazer diagnósticos em larga escala nas esferas municipal, estadual e nacional, falta acesso a remédios para tratar a doença.
O medicamento de referência é o antifúngico itraconazol, de preço elevado. A cada mês e ao longo de seis meses são necessárias no mínimo quatro caixas: duas para tratar o animal e outras duas para o tutor, caso este esteja doente.
Como todo proprietário de gatos sabe, por mais queridos que sejam seus bichanos eles arranham, principalmente em situação de estresse como na hora de dar remédio.
Enquanto não estiver livre do fungo, o gato pode continuar transmitindo o fungo. Após o primeiro ou o segundo mês de tratamento, geralmente as lesões desaparecem, mas o fungo, não. “A interrupção do tratamento antes de seis meses pode levar ao ressurgimento das lesões”, disse Camargo.
Não se conhece a razão pela qual os gatos são tão suscetíveis ao Sporothrix brasiliensis nem porque neles a doença é tão grave. Um gato com lesões pode ter o fungo em suas garras. Ao brigar com outro gato, um cão ou perseguir um rato, ele passa o fungo por meio de arranhaduras.
As arranhaduras nos gatos ocorrem geralmente na cabeça, local mais comum do aparecimento de lesões, mas não o único. O fungo presente nas lesões destrói progressivamente a epiderme, a derme, o colágeno, os músculos e até ossos. Além disso, o fungo pode acometer os órgãos internos, agravando o quadro clínico.
“Quando o animal chega a essas condições, é comum ele ser abandonado pelos donos. Vai para a rua e alimenta a cadeia de transmissão. Se o gato morre, ele é enterrado no quintal ou num lixão, que serão contaminados pelo fungo presente no cadáver”, disse Gremião.
Segundo a pesquisadora, além da capacidade de diagnosticar todos os casos e do acesso ao medicamento, o combate ao surto de esporotricose exige que os governos realizem campanhas educativas sobre a guarda responsável do animal.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da (Agência Fapesp).
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