Aos 63 anos, o cantor cearense Raimundo Fagner diz que não consegue fugir do cigarro. Uns minutos de conversa bastam para perceber que nem de questões incômodas, mesmo que tenha de criticar velhos conhecidos seus.
Comemorando 40 anos de carreira, ele faz show no próximo sábado, em São Paulo (os ingressos estão esgotados há duas semanas), e até o final do ano deve lançar novo disco, que traz parceria inédita com Vinicius de Moraes.
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Folha – No mês passado, o Senado aprovou um projeto de lei que estabelece a fiscalização do ECAD [entidade que recolhe direitos autorais no Brasil] por um órgão específico, a prestação de contas exata dos recursos arrecadados e a redução da atual taxa administrativa de 25% a 15%. Muito disso se deve à mobilização do grupo Procure Saber, idealizado pela empresária Paula Lavigne, e que reúne grandes nomes como Roberto Carlos, Caetano Veloso e Gilberto Gil em defesa dessas mudanças. Qual a sua opinião sobre as alterações propostas?
Fagner – Naquele dia eu estava no Senado em defesa da PEC 98 [que dá imunidade tributária da fabricação de produtos artísticos como CDs e DVDs], que estava na pauta e foi substituída por essa PEC do ECAD. As pessoas me viam e achavam que eu estava junto com o outro grupo, mas eu fiquei fugindo nos bastidores para não ser confundido.
Por que?
O que houve ali foi uma encenação patrocinada por pessoas que tem outros interesses que não são os aparentes. Que lobby é esse? Por que Caetano estava lá? Por que Roberto, que nunca aparece para defender nada, estava lá? Esse povo dá nó em éter. Não vou ficar especulando, mas, na minha opinião, o projeto foi aprovado sem estar inteiramente claro para os artistas. Não estou defendendo o ECAD, mas pergunto: vai botar na mão do estado? E quem fiscaliza esse estado? E se o assunto é direito autoral, naquela foto [dos artistas com a presidente Dilma Rousseff] tem gente que nunca compôs uma música. Sem contar que se aproveitaram de um momento em que a classe política estava toda escangalhada, né? Abriu uma brecha e eles entraram de sola com os seus interesses.
Qual seria a melhor solução na sua opinião?
Cobrar do ECAD a transparência que a gente acha que ele não tem. Roupa suja se lava em casa, tinha de ser cobrado isso por nós e entre nós artistas, ora. É assim que eu penso. Aquelas almas querem outra reza que ainda não sabemos qual.
Você trabalhou em gravadora nos anos 1970, lançou nomes Zé Ramalho, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo. Como você vê o mercado fonográfico hoje, que desde o final dos anos 1990 enfrenta um declínio, sobretudo, por causa da internet?
Castigo vem a cavalo, né? As gravadoras se acharam muito, deu nisso. Claro que eu lamento o mercado que havia e o que mercado que há, mas eu vejo essas mudanças como positivas; é hora de trabalhar a criatividade. Minha vida toda foi construída dentro da Sony, da CBS, da BMG, e hoje esses lugares estão cheios de gente que eu não respeito, que não entende nada de música. As gravadoras viraram grandes clubes de futebol, onde importa o empresário e não o craque. São uns boçais.
Como você responde às críticas de que seus trabalhos nos anos 1970 são artisticamente superiores à sua obra após os anos 1980, mais romântica, por exemplo?
Como eu respondo? Que bom que você gostou dos meus discos nos anos 1970! [rindo]. Não me incomodo com as críticas. Entendo quando as pessoas pedem ‘ah, canta aquela dos anos 1970′, inclusive porque era uma fase muito mais efervescente, que pulsava muito mais. Não aconteceu só comigo, mas com todos que participaram daquele momento. Eu tenho muito orgulho do meu passado e estou nas ruas mostrando ele e o meu presente, juntando públicos diferentes.
O consumo de música mudou muito nos últimos anos –a internet praticamente dominou como plataforma de divulgação e consumo. Como você ouve música? Faz download?
Eu ando com uma mala de CDs para todo lugar que vou, sou desses. E não escuto essas rádios de música, gosto mais de rádios AM, gosto de ouvir as fofocas, os problemas do interior.
Você acompanha o trabalho dos seus contemporâneos?
Acompanho. Gosto mais das coisas recentes do Chico [Buarque]. As de Caetano eu já acho modernas demais, não sei como ele aguenta tanta modernidade! São dois artistas geniais. Gosto de Chico porque ele trabalha a palavra pela humildade, já Caetano, pela vaidade –ele adora dizer que sabe das coisas.
Até 2003, você foi filiado ao PSDB e sempre foi muito próximo dos ex-governadores do Ceará Tasso Jereissati e Ciro Gomes, e apoiou muitos políticos em campanhas pelo Brasil afora. Como é o seu envolvimento com política hoje?
Eu já me envolvi mais, estava há muito tempo sem me meter com política. Quebrei o jejum em 2010 quando tomei partido nas eleições municipais de Orós (a 410 km de Fortaleza) –precisava me pronunciar contra uma má administração que não podia ser perpetuada. Mas sou a favor da proibição de artistas participarem de comícios.
Por que?
Porque chegou num momento em que subiam em qualquer palanque, não por posição política, mas financeira, e isso confundia as pessoas. Eu, por exemplo, já subi em muitos palanques mas nunca cobrei um tostão por isso. Acertei bastante nas escolhas, errei algumas vezes.
Que análise você faz do quadro político nacional atualmente? Temos o PT há 10 anos no poder, uma oposição claudicante e estamos às vésperas de uma eleição presidencial enquanto o Brasil é tomado por manifestações populares.
Eu acho que estamos avançando um tanto que não imaginaríamos. Ninguém estava atento ao ponto crítico em que chegamos. Havia um sentimento na classe política de ‘posso fazer tudo’, mas o povo despertou: ‘ei, e nós? São só vocês que dão as cartas? Não, nós é que temos as cartas’. É genial que isso aconteça no Brasil, que é um país comodista. Os políticos entenderam perfeitamente o recado das ruas. Como eles vão pedir votos a partir de agora nem eles sabem –estão todos perplexos, sem saber qual o próximo passo, pois esse sentimento de cobrança vai permanecer.
Que tipo de mudança na classe política você acha que essas manifestações vão operar para o ano que vem?
Em primeiro lugar, não há mais espaço para uma política como a do PSDB, sem diálogo com a massa. Quem vota é a massa, e o governo do PT foi muito feliz (e esperto) em privilegiar a inclusão social de milhões de pessoas. Mas o páreo agora está zerado, não tem essa história de vencer no primeiro turno em 2014, e acho que o quadro não é mais favorável ao PT. Há um, dois anos atrás achavam que esses escândalos de corrupção não bateriam no povo, mas batem porque a situação econômica agora mudou.
Você acredita numa volta de Lula em 2014?
Eu acho que Lula não quer voltar à Presidência, ele chegou num outro patamar de realização política e pessoal. Mas tenho por mim que ele já vislumbrou pôr o Eduardo Campos lá. Imagine: ‘saí da minha terra fodido, virei Presidente e vou colocar um conterrâneo meu lá também’. Inclusive pela ligação dele com Miguel Arraes, né? Já Eduardo entrou na faixa de eleitorado de Ciro Gomes, embora não tenha o alcance nacional que o Ciro teve, ainda está dentro da redoma de Pernambuco. E deve ter cuidado, pois deu um drible no criador dele [Lula], está ensaiando um drible em Dilma. E isso, politicamente, tem que ser muito medido, a maneira como vai ser apresentado na campanha, etc.
Você sempre jogou futebol, foi amigo de Garrincha, é amigo de Zico, jogou no time de Chico Buarque. Ainda bate uma bola?
Rapaz, eu estou no departamento médico [rindo]. Ainda jogo, mas não com aquela volúpia de antes. Não descuido da saúde, caminho na praia. Só não consigo parar de fumar, nunca consegui. Acho que tem a ver com essa vida muita viagem, hotel, estrada. O cigarro acaba sendo um parceiro, como o violão. (Folha de S. Paulo)
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