No dia em que encerrou sua caravana pelo Nordeste, em São Luís (MA), o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concedeu uma entrevista exclusiva ao 247, em que fez um balanço da viagem e também falou sobre a preparação para o encontro do dia 13, com juiz Sergio Moro.
"A única coisa que eu tenho a oferecer ao povo brasileiro é a minha inocência. Se eu tivesse alguma culpa, eu não teria a coragem de olhar nos olhos do povo brasileiro e de uma velhinha de 90 anos que vem de longe me ver", disse ele, na entrevista concedida aos jornalistas Leonardo Attuch, Paulo Moreira Leite e Leonardo Stoppa.
Sobre o depoimento judicial, que vem logo depois uma avalanche de carinho do povo brasileiro, Lula soltou uma ironia. "Espero que o Moro me abrace", afirmou.
Confira, abaixo, o vídeo da entrevista e também a transcrição do depoimento, concedido na terça-feira 5, antes do depoimento de Antônio Palocci: (247).
Como nosso tempo é curto, presidente, gostaria de pedir um balanço da caravana. O que foi mais marcante?
Lula – A caravana atendeu as expectativas que eu tinha quando pensei em fazer a caravana. Primeiro, para medir o nível de vida que as pessoas estão vivendo hoje depois de passar por um período em que houve a maior inclusão social do país. E o que me deixou muito satisfeito é que diferentemente das pessoas que não viveram, que não receberam as políticas sociais ou que não participaram delas, o povo mais humilde deste país tem a nítida noção do que serviu cada política pública que nós fizemos. Seja o Bolsa Família, seja o Luz para Todos, seja o PAA, seja o Prouni, seja o Pronatec... as pessoas têm na cabeça e ninguém vai apagar isso. Essa é a primeira coisa. A segunda coisa que eu queria provar é que a grande imprensa não faz a falta que eles pensam que faz.
247 – Não passou no Jornal Nacional...
Lula – Já não tinha passado a primeira que eu fiz, essa também não passou, e certamente muita gente, muita gente assistiu a caravana, participou da caravana, compartilhou notícias da caravana, sem precisar dos meios de comunicação. Ou seja, aos poucos a gente vai mostrando que se os meios de comunicação quiserem ser respeitados eles tem que ser sérios, ter muita seriedade.
PML – Vi vários comícios e o que o sr. sempre falou foi do ânimo e da esperança. O sr. falou no comício: 'a única coisa que quero dizer a vocês é não desanimem'. Em outro comício: 'vou lutar até o fim da minha vida para provar que o povo pode ser feliz'. O sr. já fez muita caravana aqui. Por que neste ano a mensagem da questão da esperança era tão importante?
Lula – Primeiro, você não participou de nenhum comício. Você participou de manifestações públicas. Veja, não acho que seja possível alguém viver se não tiver esperança, se não tiver um sonho. E eu não quero que o povo desanime. Acho que o povo tem que acreditar que da mesma forma que ele conseguiu conquistar muitas coisas no período de 2003 a 2014, ele pode conquistar, ah estamos num momento difícil, economia, política e tal. Mas isso é passageiro. A gente pode levantar a cabeça e conquistar. E acho que este povo do Nordeste tem disposição de continuar lutando para que a gente mantenha a esperança acesa, que a gente possa reconquistar a cidadania que já tivemos um dia.
247 – Hoje, ao que tudo indica, se for pela vontade pública, o sr. poderá assumir novamente a presidência. Como o sr. vai fazer para trazer de volta aquele Brasil dos seus oito anos de governo?
Lula – Penso que fazer o óbvio é a coisa que mais dá certo em um governo. Ou seja, você tem que fazer aquilo que é preciso fazer. Precisamos fazer com que o povo volte a sonhar, que o povo volte a ter expectativa de trabalho, que o povo volte a ter perspectiva de ganhar um salário, que o povo volte com a perspectiva de que com pequenas medidas econômicas a gente possa voltar a movimentar a chamada macroeconomia.
Quando eu estava na Presidência eu dizia nos debates aí fora, estava o Meirelles, Dilma, Guido e eu, e eu dizia que a macroeconomia brasileira só deu certo porque tinha uma microeconomia funcionando fortemente. Muito financiamento, muito crédito, muito dinheiro para inclusão social. Bolsa Família, Luz Para Todos eram programas que colocava dinheiro na veia para que as pessoas pudessem ter acesso as coisas.
Tem gente que ainda fala que não, que o Lula fez uma política econômica baseada no consumo e é preciso fazer uma política econômica baseada no desenvolvimento industrial. De vez em quando eu vejo isso. Quero saber se haverá política industrial se não houver consumo. Ou seja, qualquer investimento industrial parte do pressuposto de que o povo vai consumir o produto produzido. Portanto, as duas coisas caminham juntas.
247 – Para não fugir da caravana, quais foram os momentos mais emocionantes que o senhor viu nestes 20 dias?
Lula – Uma das coisas mais emocionantes para mim, hoje de manhã aqui, no prédio, eu ia descendo e tinha uma médica e ela disse pra mim: 'olha presidente, queria lhe dizer que eu sou médica e antes do Senhor chegar no governo eu dava atestado médico para criança que morria de fome e durante o seu governo eu nunca dei um atestado para criança que morria de fome'. Isso para mim valeu a pena de ter governado o país. Outras coisas que mais ouço são os agradecimentos que as pessoas tem pela possibilidade de subirem um degrau na escala social.
Seja o Prouni, o FIES, seja o Pronatec, ou seja, as pessoas são agradecidas aquilo que possibilitou eles evoluírem um pouco. Então fico muito sensível, emocionado. Às vezes choro porque é muito gratificante você saber que uma pessoa te diga na tua cara assim ó: 'eu passava fome e por sua causa eu parei de passar fome'.
247 – O sr. fazia questão de aparecer, parava na estrada. O senhor chegava, tinha cem pessoas reunidas, o sr. saía e pelo menos saudava a população, mesmo quando os médicos, quando a médica dizia “não faça isso porque a voz está ruim”. Como foi isso?
Lula – Foi para isso que fiz a caravana. Para ter contato direto com o povo. Ou seja: não é possível que passe numa estrada e tenha 50 pessoas, dez pessoas, e eu não pare para cumprimentar, pelo menos para falar um bom dia. É o mínimo de respeito que tenho que ter pelas pessoas que foram... Tem pessoas que andaram 200 quilômetros para estar na beira da estrada só pra pegar na mão. Isso para mim vale tanto quanto um comício de 1 milhão de pessoas porque minha relação com a sociedade não é de quantidade, é de qualidade. É ver os olhos das pessoas, sentir o coração das pessoas. Uma coisa que me impressiona muito são as mulheres, as velhinhas de 80 anos, de 85 anos dizerem que me ama. É um amor de respeito, um amor de gratidão, sabe?
247 – O sr. foi recebido por uma onda de carinho inédita, poucas vezes vista na história do país. Mas semana que vem, de certa forma, o sr. tem um encontro com o Judiciário, tem um depoimento. Como é que vai ser este contraste do Lula que foi abraçado pela população e agora tem mais um depoimento, todo aquele stress?
Lula – Eu espero ser abraçado pelo Moro. Eu trato isso tranquilo, porque eu tenho consciência da minha inocência. O Ministério Público criou uma nave-mãe monstruosa, com aquele power point. Eu vou lá com a mesma tranquilidade que fui no primeiro, sabendo que vou dizer a verdade, mesmo que eles não queiram ouvir. Eu to como naquela música do Zeca Pagodinho: deixa a vida me levar.
247 – A internet hoje mostra uma verdade diferente daquela que a Globo e outros meios transmitem. Que mensagem o sr. mandaria para quem o assiste agora?
Lula – A internet vai fazer com que os meios de comunicação deixem de achar que são os donos da verdade e deixem de agir como donos da verdade. São milhões de pessoas que conseguem ter acesso a informação e estão interagindo com a informação. Aos poucos, a televisão vai percebendo que não dá mais para fazer televisão mentirosa. Essa caravana provou que é o possível o povo ter informação sem precisar da Rede Globo.
247 – Muita gente avalia que o objetivo dessa caçada é banir o sr. da vida pública deste país. Se isso vier a acontecer, como o sr. acha que o povo brasileiro vai reagir e como acha que deve reagir?
Lula – Eu não posso dizer como o povo deveria reagir. O povo deve reagir de acordo com a sua consciência. Eu espero que as pessoas possam se informar e acompanhar para fazer o meu julgamento e o do juiz. Eu tenho dito o seguinte sempre: o que tenho a oferecer ao povo brasileiro é a minha inocência. Eu não teria coragem de olhar nos olhos do povo brasileiro e de beijar uma velhinha chorando se tivesse alguma culpa. Eu não vou mentir para o povo brasileiro. (247).
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