Apesar do início da administração das vacinas CoronaVac e Oxford/AstraZeneca no dia 20 de janeiro, é prematuro falar de uma campanha nacional de vacinação propriamente dita no Brasil, uma vez que o país não dispõe de vacinas suficientes para inocular a população.
Por enquanto, o país tem 12,8 milhões de doses das vacinas aprovadas pela Anvisa. O volume é suficiente para imunizar cerca de seis dos 80 milhões de brasileiros pertencentes aos grupos prioritários.
"A única forma do Brasil ter um plano de vacinação amplo no tempo adequado é incorporando o mais rápido possível, de forma emergencial, todas as vacinas [...] que se mostrem seguras e minimamente eficazes", disse o deputado federal e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP), à Sputnik Brasil.
Segundo ele, "antes do início do outono, o Brasil precisa vacinar pelo menos 80 milhões de brasileiros que estão entre os grupos de idosos, de profissionais de saúde, profissionais de educação, pessoas com doenças crônicas, população indígena, população quilombola e profissionais de serviços essenciais".
"Ao longo do inverno, para conter o crescimento da pandemia, nós teremos que vacinar mais 80 milhões de pessoas, e assim chegar a 160 milhões de brasileiros", disse Padilha.
"Isso só será possível se tivermos todas as vacinas, e não apenas as vacinas que já estão autorizadas no Brasil", explicou.
Para Padilha, que foi ministro da Saúde entre 2011 e 2014, o Brasil deve permitir o uso emergencial de vacinas aprovadas por agências sanitárias de países como EUA, Japão, União Europeia, China, Rússia e Argentina.
"É um absurdo o Brasil não ter incorporado até agora a Sputnik V ao seu programa de vacinação", lamentou Padilha.
Nas Américas, a vacina russa foi aprovada para uso emergencial pelas agências sanitárias da Argentina e do México. Na Rússia, a vacina já está disponível para todos os cidadãos maiores de 18 anos.
Estratégia do Governo Federal
O deputado federal em exercício acredita que o "grande erro do governo" brasileiro foi selar acordos com somente uma empresa farmacêutica, a britânica AstraZeneca, que desenvolve imunizante contra a COVID-19 em parceria com a Universidade de Oxford.
"Infelizmente, a estratégia [...] do governo federal foi a de apostar apenas em uma vacina", notou Padilha. "Isso é insuficiente para as necessidades do povo brasileiro e para a tradição de vacinação do Brasil."
Diante de "um plano de vacinação lento e insuficiente" comandado por Brasília, "os governos locais querem trazer outras vacinas como a Sputnik V, a Pfizer e outras", disse Padilha.
Nesse sentido, no dia 15 de janeiro, o governo do estado da Bahia entrou com pedido no Supremo Tribunal Federal (STF), para realizar a compra direta da vacina russa, solicitando que imunizantes autorizados por agências estrangeiras possam ser administrados no Brasil.
Padilha se posiciona de maneira "totalmente favorável" à ação do governo baiano e acredita "que ela pode prosperar".
"Os governadores de todo o Nordeste brasileiro e outros estados querem mais vacinas, procuram alternativas para que a gente possa garantir a vacinação o mais rápido possível" disse Padilha.
No ano passado, a Câmara dos Deputados já havia aprovado a lei que permite que vacinas utilizadas para uso emergencial por agências de nove países diferentes sejam incorporadas ao plano de vacinação brasileiro.
"Se essa lei que nós aprovamos em dezembro já tivesse sido votada em janeiro pelo Senado, essas vacinas todas já poderiam ser incorporadas ao Brasil e não precisaríamos dessa ação junto à Suprema Corte feita pelo governo do estado da Bahia", disse Padilha.
O ex-ministro nota que a ação não tem como objetivo diminuir a autoridade da Anvisa, mas simplesmente adequar o rito de aprovação a uma "situação excepcional": "estamos vivendo uma situação de emergência de saúde pública".
"Estamos falando de uma autorização emergencial [...] pela necessidade de ampliarmos a cobertura vacinal no país, a Anvisa pode dar essa autorização emergencial por alguns meses", explicou Padilha.
Falha em escala global
A dificuldade do governo brasileiro em importar vacinas e insumos de países como China e Índia desencadeou uma série de críticas ao chanceler Ernesto Araújo, que teria descuidado da cooperação internacional na área da saúde.
"Uma parte da nossa dificuldade em ter um plano de vacinação mais amplo será sem dúvida alguma a dificuldade de fornecimento de insumos por parte de alguns países como a China e a Índia", declarou o ex-ministro.
"A cooperação e a gestão internacional é fundamental em Saúde", acredita Padilha. "O Brasil sempre foi muito respeitado por termos uma parceria e um compartilhamento permanente com outros países nessa área."
Padilha diz que, durante sua gestão no Ministério da Saúde, "apostamos muito na cooperação do BRICS [grupo de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] exatamente para construir uma aliança estratégica, inclusive para a produção de medicamentos".
"Infelizmente, o atual governo brasileiro tem a postura completamente diferente, inclusive preconceituosa, por vezes xenófoba, no sentido de romper relações, o que deixa o Brasil numa situação muito complexa", disse o deputado federal.
"No ano passado Bolsonaro desdenhou da vacina Spuntik V [...] desdenhou da vacina da Pfizer, desdenhou de outras parcerias e criou obstáculos o tempo todo para a vacina de cooperação do Instituto Butantan com a China", declarou Padilha.
Segundo ele, "temos um problema diplomático gravíssimo", uma vez que "Bolsonaro tem posições permanentes e até preconceituosas com a China".
"O ministério da Saúde e das Relações Exteriores do Brasil se posicionou contra a China em todos os temas da Saúde em 2020 [...] a China buscou construir um grupo de lideranças de vacinas com países da América Latina e o Brasil se negou a participar."
O governo federal "não tem interlocução para discutir e conversar com o governo chinês hoje", o que leva ex-presidentes e mesmo a presidência da Câmara a buscar reconstruir as pontes com Pequim.
Padilha lembra que o Ministério da Saúde e o Instituto Butantan chegaram a preparar um contrato de compra da vacina CoronaVac em setembro de 2020, que Bolsonaro teria desautorizado.
Nesse sentido, empresas chinesas passaram a "direcionar a sua produção de insumos para países que estavam de fato mostrando que utilizariam a vacina", como Indonésia e Turquia.
O ex-ministro, no entanto, diz que "mesmo se a China mantiver o cronograma de fornecimento de insumos para o Brasil, mesmo se a Índia autorizar a exportação de vacinas para o Brasil, nós precisaremos de outras vacinas como a Pfizer, Sputnik V, a Soberana 02 que está sendo desenvolvida por Cuba, a vacina da Janssen, pra realizar um plano de vacinação rápido e em tempo adequado no Brasil".
Garantir que o governo federal conduza uma campanha ampla de vacinação exigirá "luta social política e institucional", adiantou Padilha.
"Nós aprovamos enquanto Câmara dos Deputados [...] na Lei de Diretrizes Orçamentárias a obrigação de que a meta de vacinação de 2021 seja vacinar toda a população apta para isso. Bolsonaro vetou", relatou Padilha.
"Teremos que convocar o Congresso agora em fevereiro para derrubar esse veto do Bolsonaro: será uma luta política [...] para que fique no orçamento do governo federal em 2021 os recursos direcionados, não só para comprar as vacinas e os insumos, mas também para a campanha de vacinação para todos", concluiu o deputado federal.
No dia 20 de janeiro, o governo federal iniciou a campanha de vacinação, após a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), aprovar o uso emergencial dos imunizantes CoronaVac e Oxford/AstraZeneca. De acordo com consórcio entre secretarias estaduais de saúde e veículos de imprensa, 580.806 pessoas foram vacinadas no Brasil. (Sputnik).
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