segunda-feira, 7 de outubro de 2019

PESQUISA Droga focada em mutações genéticas mostra resultado inédito contra câncer

  Por: Correio Braziliense
(foto: CB/D.A Press)
(foto: CB/D.A Press)


Barcelona — Apesar de avanços significativos no tratamento do câncer de pulmão de não pequenas células desde a chegada das primeiras terapias-alvo, até hoje nenhum tratamento conseguiu aumentar a sobrevida global dos pacientes. Agora, pela primeira vez, uma substância foi capaz de não apenas prolongar o tempo em que a doença se mantém controlada, mas estendeu em 30% a longevidade de pessoas com o tumor localmente avançado ou já em estágio metastático.

Apresentado no congresso Esmo 2019, da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica, o estudo Flaura mostrou que o risco de progressão do tumor ou de morte foi 54% menor no grupo de pacientes tratados com o osimertinibe, a terceira geração de uma classe de medicamentos orais que miram mutações no gene EGFR. No Brasil, entre 20% e 25% dos pacientes de câncer de pulmão de não pequenas células têm esse tipo de erro no DNA e poderiam se beneficiar da nova terapia-alvo. A substância já está aprovada no país como tratamento de primeira linha (a primeira opção), mas ainda não foi incluída no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o que desobriga os planos de saúde a custearem a intervenção e deixa a opção de fora do Sistema Único de Saúde (SUS).

A expectativa da comunidade médica para a apresentação dos novos dados do Flaura era positiva, baseada no artigo com resultados preliminares — de sobrevida livre de progressão e de redução de metástases cerebrais — publicado em 2017. Agora, os autores do estudo, liderados por Suresh S. Ramalingam, do Instituto de Câncer Winship, da Universidade de Emory, relataram, de forma inédita, o aumento de sobrevida global, algo não alcançado em pesquisas anteriores, com as terapias-alvo de primeira e segunda gerações.

O estudo foi realizado com 556 pacientes com a mutação EGFR e a doença localmente avançada ou já em estado metastático, quando se espalha por outros órgãos, incluindo o cérebro. Eles foram divididos aleatoriamente em dois grupos: 279 receberam o tratamento com osimertinibe e 277, com erlotinibe ou gefitinibe, as terapias-alvo de primeira geração que ainda são o tratamento padrão em boa parte do mundo. Passados 12 meses do início da pesquisa, 89% dos participantes do braço osimertinibe continuavam vivos, contra 83% do outro grupo. Aos 24 meses, os percentuais foram 74% e 59%, respectivamente, e, 36 meses depois, 28% faziam o tratamento com a droga de terceira geração, comparados a 9% que seguiam a terapia padrão.

Enquanto em alguns países, como no Brasil e nos Estados Unidos, os resultados apresentados em 2017 foram suficientes para as agências regulatórias aprovarem o osimertinibe como primeira opção de tratamento, a terapia padrão começa com os medicamentos mais antigos, passando para a substância de terceira geração apenas quando os pacientes desenvolvem uma mutação, a T790M, que deixa o tumor resistente às intervenções. Com isso, a doença avança e leva à morte. O câncer de pulmão é a principal causa de óbito no mundo.

Primeira opção

Em uma coletiva de imprensa, Suresh S. Ramalingam defendeu que o osimertinibe seja adotado como a primeira opção de tratamento. Para ele, não faz sentido esperar que os pacientes se tornem resistentes, o que reduz o tempo de remissão da doença e, como mostrou o estudo, a sobrevida global. Ele observou que muitos pacientes do grupo de controle, que, inicialmente, seria tratado com a terapia-alvo de primeira geração, foram autorizados a receber o osimertinibe quando o câncer progrediu.

A medida, segundo Ramalingam, explicaria uma sobrevida significativa mesmo entre esses participantes. “A sobrevida global que você vê no grupo de controle nesse estudo está entre as maiores relatadas para pacientes com mutações no gene EGFR. Mesmo com muitos pacientes sendo passados para o grupo do osimertinibe quando a doença avançou, vemos um incremento de 6,8 meses na sobrevida global com o osmiertinibe”, afirmou.

A droga, assim como as terapias-alvo das gerações anteriores, é um inibidor de tirosina-quinase, molécula que previne a produção de fatores de crescimento, que são substâncias no interior das células capazes de estimular a proliferação não só delas, mas de outras próximas. Evitando esse processo, os inibidores impedem a reprodução das células doentes, que, no caso do osimertinibe, têm defeitos no gene EGFR.

Convidada a comentar o resultado do estudo Flaura, a oncologista Pilar Garrido, do grupo de experts do Esmo e pesquisadora do Hospital Universitário Ramon y Cajal, na Espanha, ponderou que pacientes devem discutir com o médico antes de aderir ao osmiertinibe como primeira linha. De acordo com ela, enquanto que no caso dos inibidores de tirosina-quinase de primeira e segunda gerações, há a possibilidade de migrar para o de terceira em caso de falha,  quando já se começa por ele, a única opção diante de resistências é a quimioterapia. “Se quisermos saber qual a sequência mais efetiva de medicamentos, precisamos de estudos desenhados especificamente para isso.”

Já Pasi A. Jänne, pesquisador do Centro de Câncer Dana-Farber, nos Estados Unidos, defende o osmiertinibe como tratamento de primeira linha. O oncologista, que não participou do estudo e também foi convidado a comentá-lo em uma coletiva de imprensa, destacou que começar por drogas menos eficazes não é “o tratamento clínico ótimo”. Segundo o médico, ainda não se sabe quais pacientes desenvolverão a mutação T790M, que torna o EGFR resistente aos remédios de primeira e segunda gerações. Por isso, ele acredita que é melhor começar a terapia evitando que a doença progrida rapidamente, o que diminui a qualidade de vida e a sobrevida global dos pacientes.

*A repórter viajou a convite da AstraZeneca

Três perguntas/Marcelo Cruz

Como é, no Brasil, o tratamento padrão  de pacientes com câncer de pulmão metastático, com a mutação do EGFR?
No Brasil, o câncer de pulmão de não pequenas células metastático com mutação do EGFR é uma mutação bastante comum: cerca de 20% a 25% dos pacientes com câncer de pulmão têm essa mutação. Atualmente,  a gente tem disponível a aprovação do osimertinibe como terapia de primeira linha. Temos algumas outras moléculas que foram aprovadas antes dele, que chamamos de inibidores de primeira geração, que são o gefitinibe e o erlotinibe. Depois, veio o afatinibe, e o novo remédio de terceira geração mais potente, que é o osimertinibe. A primeira aprovação dele foi para segunda linha. Utilizavam-se os inibidores de primeira geração e, quando a doença progredia, se fazia uma rebiópsia, quando se tira um pedacinho do tumor e analisa novamente para ver se tem uma mutação de resistência, a T790M. Só então, era usado o osimertinibe. Com esse ganho na segunda linha, ele foi estudado também na primeira linha. Em vez de esperar uma progressão, foi comparado com outras terapias-alvo para o EGFR.

O senhor considera significativo o ganho em sobrevida observado no estudo Flaura?
O ganho em sobrevida sempre é significativo, porque a maioria dos estudos não mostrou ganho em sobrevida. Os estudos anteriores com as outras moléculas avaliavam a sobrevida livre de progressão — quanto tempo o tumor ficava controlado. A sobrevida global, na maioria dos estudos, não foi alcançada. Então, esse ganho em sobrevida é bastante significativo. Você tem uma redução no risco de morte na ordem de quase 30% e, além disso, a gente nunca pode esquecer que, comparado com os outros medicamentos, ele tem menor toxicidade, uma ação mais rápida e um controle de metástase no cérebro superior às outras moléculas. Tudo isso acaba se resumindo no que a gente mais quer, que é qualidade de vida. Então, você dar qualidade de vida com ganho em sobrevida é algo que nunca se viu.

O senhor acredita que esses resultados são suficientes para que o osimertinibe seja incorporado ao Sistema Único de Saúde?
Existem duas coisas importantes no Brasil: o osimertinibe está aprovado como tratamento de primeira linha pela agência regulatória, mas a questão é ter aprovação para ser incluído no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e, assim, ser incluído no Sistema Único de Saúde (SUS). É uma aprovação mais do uso do que de aprovação de regulamentação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Os primeiros resultados do osimertinibe já eram suficientes, o ganho na sobrevida livre de progressão já deveria ter sido suficiente para convencer. Agora, só não se convence quem não quer.





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