quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Mulheres do Vale publicam carta aberta contra violência de gênero e cobram ações das autoridade



“Pela presente carta, as mulheres do Vale do São Francisco manifestam indignação frente às constantes práticas de violência e seus gêneros, que se revelam novamente com mais um fato brutal que assola nossa sociedade. O trágico episódio de duplo homicídio das jovens Bruna e Taiane, no dia 05 de setembro de 2016, que ao saírem de casa para o trabalho tiveram seus sonhos de vida interrompidos pela violência contra nós, mulheres, é exemplo do cotidiano das múltiplas violências que sofremos e que persistem em nossa sociedade.
Não podemos compactuar com esse tipo de prática dessa cultura de desrespeito e agressão ou qualquer forma de manifestação de violência aos nossos direitos, aos nossos corpos. Exigimos das nossas autoridades todo empenho na investigação e punição aos culpados deste crime, como tentativa de reparar a dignidade daqueles que conviviam com Bruna e Taiane, mas também queremos ratificar a necessidade de atenção à vida das mulheres que integram a sociedade do Vale do São Francisco que se vê a mercê de violências múltiplas, contínuas disfarçadas ou escancaradas.
Nós, mulheres, conclamamos todos a se engajar com maior atenção às nossas pautas sociais, tais como a questão dos horários de funcionamentos das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher(DEAMs), uma vez que não se concebe uma delegacia de crimes contra mulheres ter horário estabelecido para funcionamento, quando somos mortas a cada hora e meia no Brasil. Somos nós que estamos sendo dizimadas em nosso dia a dia, e pouco se tem feito para anular essa barbárie contra nossos corpos. Os maiores índices de violência ocorrem nos finais de semana, e é quando as DEAMs estão fechadas. A cada cinco minutos uma de nós é agredida e, como se não fosse suficiente, a cultura do machismo, do ódio e do estupro se instala em nosso meio, tornando-nas as vítimas provocadoras e vitimando os culpados.
As assistências nessas delegacias devem ser dadas por mulheres, e mulheres capacitadas. Não por homens ou mulheres que não tenham o mínimo de consciência ou viés feminista, porque a humilhação a que é submetida a vítima, por pessoas despreparadas, caracteriza outros tipos de violência, que é a psicológica e institucional. Precisamos urgentemente de um Sistema Integrado de Mulheres. Nós precisamos de legitimidade, senão não teremos avanços significativos e consolidados. O patriarcado e o machismo nos matam, nos aleijam e nos calam a todo tempo. Se não fizermos algo pétreo, o círculo vicioso não será interrompido.
Além da demanda geral do ser mulher, as mulheres negras, 25% da população, sofrem duplamente pelo gênero e pela raça. Todo sofrimento é dobrado para nós. Carregamos o estigma da escravidão e da inferioridade por sermos pretas e mulheres. Somos objetificadas e simbolizadas como exclusivas para o sexo, e não para a assunção de cargos políticos/ empresariais/públicos, para o sexo e não para o protagonismo, para o sexo e não para o casamento. Morremos em partos por falta de anestesia, pois a dosagem que nos é aplicada é menor do que a aplicada em mulheres brancas, pois somos consideradas fortes, de modo que, conforme o discurso comum, “aguentamos mais a dor”. As mulheres negras ainda são as maiores vítimas da violência obstétrica e hospitalar de modo geral, e o estado brasileiro é responsável por isso, quando não faz recortes de raça na saúde pública; quando não trata o povo negro na sua especificidade imunológica e/ou patológica.
Cobramos, nessa instância, às faculdades e universidades do Vale do São Francisco, às secretarias municipais de educação, às secretarias municipais de cultura, às secretarias municipais de diversidade e inclusão, bem como demais órgãos públicos juntamente com movimentos sociais e sociedade civil, que se criem espaços de diálogos, debates e construção de conhecimento em torno das questões de gênero e raça, com vistas a desconstruir a cultura machista, racista e homofóbica que se instalou entre nós e que só enxerga a necessidade de mudança quando a vítima é alguém próximo.
Não é demais lembrar que após o brutal feminicídio de Bruna e Taiane, nós, mulheres, ficamos ainda mais inseguras de sair de nossas casas para o trabalho, para a escola ou para onde quer que seja. Todos os dias pensamos que qualquer dia pode ser uma de nós. Aliás, Bruna e Taiane são uma de nós, um pedaço de nós que todos os dias é arrancado e pouco a pouco nos silencia, humilha, destrata, maltrata e reprime nossas roupas, nossos gestos, nossos jeitos, castrando o que somos em detrimento de nossa segurança e bem estar.
Chega! Queremos sair de nossas casas a qualquer hora para fazer qualquer coisa, sem o medo cotidiano do estupro, do rechaço ou das agressões verbais, psicológicas, financeiras. Continuamos querendo que todos tenham garantidos os direitos humanos nas penitenciárias ou periferias, mas que esses direitos venham atrelados a outros direitos como educação, saúde, moradia, cultura, diversidade. Precisamos conjuntamente construir políticas públicas e pautar um governo para fazer conosco, e não para nós. Nesse sentido, cobramos das autoridades políticas e jurídicas a justiça. Não apenas a justiça punitiva, mas a justiça que antes de punir desenvolve instrumentos de politização, conscientização e educação, sem temer a possibilidade de colaborar para a formação de sujeitos críticos, conscientes e politizados.
Não desistiremos. Não recuaremos. Lutaremos, sim. Lutaremos até que todas sejamos livres.”
Mulheres do Vale do São Francisco
Petrolina/PE, 12 de Setembro de 2016.
Fonte: Edenevaldo Alves.

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