O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez um pronunciamento em cadeia nacional na noite desta terça-feira (24), mesmo dia em que o Brasil cruzou pela primeira vez a marca das 3.000 mortes registradas em 24 horas, para defender sua gestão no combate à pandemia do novo coronavírus, iniciada há pouco mais de um ano.
Com o aumento desenfreado no número de mortes no país, onde já morreram quase 300 mil pessoas (100 mil apenas de meados de janeiro até agora), Bolsonaro tem sido pressionado a modular seu discurso sobre a crise sanitária no país, cuja gravidade, além de uma montanha de mortos, afeta as perspectivas econômicas, sociais, políticas e de relações exteriores do país, cada vez mais isolado.
No pronunciamento, de quatro minutos, o presidente disse que seu governo é "incansável" no combate ao vírus –que por 12 meses ele minimizou– e se solidarizou com as famílias e amigos das quase 300 mil vítimas, após ter debochado do temor e do luto da população em diferentes ocasiões.
A reportagem checou como 11 afirmações de Bolsonaro no dicurso desta terça se comparam com suas declarações passadas, suas ações e a realidade da pandemia.
Na parte econômica, o governo federal propôs um auxílio emergencial mais tímido do que o que foi aplicado. Em março, a gestão Bolsonaro havia proposto uma ajuda de R$ 200, depois subiu para R$ 300, e o Congresso aumentou para R$ 600.
Neste ano, com a piora da pandemia e nova rodada de fechamentos, o governo resistiu de novo a conceder o auxílio, mas depois se dispôs a pagar uma ajuda média de R$ 250, que pode variar de R$ 150 a R$ 375 a depender da composição familiar. Bolsonaro ainda vetou outras ajudas econômicos, como um aporte de R$ 4 bilhões ao setor de transportes de passageiros, que ficou próximo da falência com a queda de passageiros.
Já em número total de vacinados, o Brasil fica em quarto lugar, atrás de Estados Unidos, China e Reino Unido.
Dados levantados por veículos de imprensa junto às secretarias estaduais de saúde apontam que 12,8 milhões de pessoas já receberam ao menos uma dose da vacina.
O próprio Ministério da Saúde também apresenta em seu site um número diferente do informado pelo presidente. De acordo com a pasta, 11,4 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose do imunizante, e 30 milhões de vacinas foram distribuídas pelo país.
Especialistas afirmam, no entanto, que o erro foi ter apostado em uma única vacina, e recusado doses de outras fabricantes, como a Pfizer, que já teriam entregue uma parcela dos imunizantes ao país. Nesta terça (23), o Ministério da Saúde reduziu pela quinta vez a expectativa de entrega de vacinas, depois que a Fiocruz, que produz o imunizante da AstraZeneca no país, baixou a previsão de 30 para 18 milhões de doses.
Nesta terça, por exemplo, a Fiocruz informou que entregará ao Ministério da Saúde de 11 a 12 milhões de doses a menos do que estava previsto do imunizante em abril. Pela Fiocruz, espera-se a entrega, até o meio do ano, cerca de 100 milhões de doses. Até agosto, o Butantan deve entregar o mesmo número de doses.
Considerando os brasileiros acima de 15 anos (169.277.800), porém, seriam necessárias mais de 330 milhões de doses. A compra de outras vacinas, porém, como a da Pfizer, devem garantir a vacinação de todo o país, até algum momento de 2021.
"Acredito que teremos a vacina de outros países, até mesmo a nossa, que vai transmitir confiança para a população. A da China, lamentavelmente, já existe um descrédito muito grande por parte da população, até porque, como muitos dizem, esse vírus teria nascido lá", disse.
Bolsonaro também chegou a desautorizar a compra das vacinas do Butantan, após acordo firmado pelo então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Em outro momento, quando o estudo da vacina foi pausado para análise de uma morte ocorrida na pesquisa, o presidente comemorou o fato em suas redes sociais.
Até fevereiro de 2021, estavam previstas 3 milhões de doses. Antes do encontro com Bourla, Bolsonaro repetidas vezes falava sobre efeitos colaterais relacionados à vacina, mais especificamente ao contrato com a farmacêutica, o qual a isenta de responsabilização em caso de possíveis efeitos colaterais da vacina.
"Se tomar e virar um jacaré é problema seu. Se virar um super-homem, se nascer barba em mulher ou homem falar fino, ela [Pfizer] não tem nada com isso", afirmou Bolsonaro, em 17 de dezembro. Àquela altura, o país já via a expansão da Covid. O governo brasileiro rejeitou no ano passado proposta da farmacêutica Pfizer que previa 70 milhões de doses de vacinas até dezembro deste ano. Do total, 3 milhões estavam previstos até fevereiro, o equivalente a cerca de 20% das doses já distribuídas no país até agora.
Por isso, médicos e pesquisadores dizem que na volta à "vida normal", mesmo quando a vacinação tiver avançado, as pessoas deverão continuar seguindo regras de distanciamento social e uso de máscara, pois a proteção ideal estará longe de ser atingida. Medidas que têm sido atacadas por Bolsonaro desde o início da pandemia.
O presidente, inclusive, continua tentando impedir governadores de adotar ações para controlar a disseminação do vírus. Na última sexta (19), Bolsonaro moveu ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o decreto dos governos do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul com restrições à circulação de pessoas durante o momento mais crítico da pandemia. O ministro Marco Aurélio Mello negou o pedido liminar.
"Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?", disse em viagem a São Simão (GO), em 4 de março. Na quinta (18), Bolsonaro disse que "parece que só se morre de covid" no Brasil.
No último domingo (21), no pior momento da pandemia, o presidente comemorou seu aniversário com centenas de apoiadores aglomerados em frente ao Palácio da Alvorada. Bolsonaro, inclusive, retirou a máscara para discursar.(Por Folhapress).