terça-feira, 15 de outubro de 2019

Após combater mineração ilegal em Terras Indígenas, coordenador da Funai é afastado


Servidor de carreira da Fundação Nacional do Índio (Funai), o indigenista Bruno Ribeiro foi exonerado do cargo de coordenador-geral de Índios Isolados, função que desempenhava desde junho de 2018. A demissão foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) do dia 4 de outubro. Horas antes do afastamento, o dirigente estava combatendo mineradoras que pretendiam atuar na Terra Indígena Yanomani, em Roraima.
Ribeiro diz que não foi informado sobre o motivo da exoneração. Mas arrisca. “Nos últimos dois meses atuamos pesado junto com outras instituições contra o garimpo, fazendo inutilização de garimpo, destruindo garimpo. Fizemos, agora em setembro, a maior destruição de garimpo do ano, em região de índios isolados. A última operação de combate à mineração foi na reserva Yanomami, onde destruímos garimpos. Cheguei à tarde e recebi minha exoneração.”
A demissão ocorre no momento em que o governo de Jair Bolsonaro (PSL) deve apresentar o projeto de lei que libera atividades exploratórias em terras indígenas, incluindo mineração, e legalizando garimpos.
De acordo com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, a proposta está na Casa Civil, onde sofrerá ajustes antes de ser apresentada ao Congresso Nacional. O anúncio foi feito em Brasília em 3 de outubro, um dia antes da demissão de Ribeiro.
Reação e crise
A demissão foi criticada por seus antecessores no comando da Coordenadoria-Geral de Índios Isolados, em carta divulgada no último dia 7 de outubro. No documento, os indigenistas afirmam que a demissão do servidor é política e “sem motivos técnicos aparente.”
“Chamamos atenção ainda para o Crime de Genocídio em curso, pelos frequentes cortes e contingenciamentos impostos à Coordenação-Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, e neste momento pela exoneração do Coordenador-Geral Bruno Pereira. Ressalte-se que possíveis interferências ideológicas como as que estamos presenciando nos quadros técnicos da Funai, em especial, desta Coordenação Geral, é da maior gravidade”, afirmam os ex-dirigentes no documento.
Desde a nomeação do delegado da Polícia Federal Marcelo Augusto Xavier, em 19 de julho deste ano, para a presidência da Funai, a entidade tem enfrentado uma crise. Dos 15 coordenadores do órgão, 12 foram trocados.
Xavier, que já foi assessor especial para Assuntos Fundiários de Nabhan Garcia, ex-presidente da União Democrática Ruralistas, e teve seu nome aprovado pela bancada ruralista, foi criticado por um servidor da Funai, que pediu para não ter a identidade revelada.
“Ele está colocando gente sem qualquer experiência na área, que nunca viu um índio na vida, a começar pelo presidente. O nível interno de debate despencou. Lá dentro, quem sabe o que está fazendo e tem alguns anos na Funai, está desesperado, não há como influenciar quem chegou agora e está agindo contra os indígenas”, afirma.
Ribeiro concorda. “As pessoas que estão dentro da Funai nunca trabalharam com indígenas na vida, as pessoas não entendem o que é uma discussão indigenista. Eu sinto que há um ranço, rancor, são medidas vingativas. Isso está minando o trabalho indigenista”, explica.
Um exemplo ocorreu no dia 3 de setembro deste ano, quando o ministro da Justiça Sérgio Moro nomeou para a Diretoria de Proteção Territorial da Funai Silmara Veiga de Souza, que já atuou como advogada contra o povo Ka’aguy Hovy em uma contestação na cidade de Iguape, no litoral de São Paulo. A pasta que ela coordena é responsável por demarcar terras indígenas.
Para Ribeiro, a atual política da Funai provocará o “aniquilamento dos povos indígenas, da nossa diversidade. São mais de 200, mais de 300 povos indígenas e 400 terras indígenas que terão seus territórios disputados. Eu não vejo um cenário positivo”. Confira a entrevista do indigenista na íntegra:
Brasil de Fato: A Funai já o procurou para falar o motivo de sua exoneração?
Bruno Ribeiro: Não sei, não fui informado de nada ainda. Apenas fui informado pela Diretora de Proteção Territorial, nas vésperas da publicação de minha exoneração, que era uma decisão do alto escalão, a ordem veio de cima, sem qualquer justificativa. Até porque, quem está na Funai hoje pouco compreende, ou nada compreende, de política para índios isolados.
Por quê você acha que a Funai teria interesse em intervir politicamente na Coordenadoria-Geral de Índios Isolados?
É um cargo muito técnico, é muito qualificada a discussão de índios isolados, dentro da floresta e no meio da mata. Mas há um grande interesse sim, não há como discordar. Existem várias regiões de índios isolados que são de interesse econômico. A disputa por terra na Amazônia, mineração e garimpo em terra indígena, claro que a pauta índio isolado chama a atenção. A sociedade apoia a política para índio isolado do Brasil e existe uma disputa territorial na Amazônia.
O que está acontecendo nesse momento na Funai?
É complexo falar porque os sinais existem, mas o discurso não é claro. Não há diálogo com os servidores. A sensação que tenho é que há um ranço muito grande, em relação a tudo que a Funai já foi e o trabalho que realizava. A Funai nasceu o ano no ministério da Mulher, depois uma parte da Funai foi levada para o ministério da Agricultura. Depois, o Congresso e o STF reverteram várias manobras do governo e isso não agradou o alto escalão do governo. As pessoas que estão dentro da Funai nunca trabalharam com indígenas na vida, as pessoas não entendem o que é uma discussão indigenista. Eu sinto que há um ranço, rancor, são medidas vingativas. Isso está minando o trabalho indigenista.
Qual o tamanho da influência da bancada ruralista na Funai?
Basta ver os currículos de quem entrou na Funai. Não é difícil visualizar quem está indicando quem lá dentro. Os servidores estão silenciados, servidores de carreira são retirados de cargos estratégicos. A Funai está sendo tomada por interesses que não são dos índios.
Qual a tua perspectiva para os indígenas nos próximos anos?
A perspectiva que sempre foi a deles, de muita luta. Os índios nos ensinaram a resistir, a ser resiliente e tentar sobreviver. Ninguém desse governo procurou os índios para tentar conversar, eles elegem uns dois ou três para colocar em live de rede social e acha que é isso. Será o aniquilamento dos povos indígenas, da nossa diversidade. São mais de 200 línguas, mais de 300 povos indígenas e 400 terras indígenas, que terão seus territórios disputados. Eu não vejo um cenário positivo. É caminhar para a aniquilação, com discurso de economia.
Qual a importância da Coordenadoria-Geral de Índios Isolados dentro da estrutura da Funai?
Ela é extremamente complexa. Depois de 32 anos da criação dessa coordenação, temos uma primeira intervenção do governo. Não houve qualquer diálogo. É um cargo muito sensível, todas as gestões e governos que passaram, respeitaram esse cargo porque é muito técnico. Em março desse ano, fizemos um contato com um grupo isolado (Korubo) no Vale do Javari, faziam 23 anos que a Funai não protagonizava um contato. São populações que uma simples gripe pode dizimar todos eles. Essas populações depende do Estado para ter proteção aos seus territórios, precisamos de pessoas que sabem o que está fazendo para um serviço diplomático, esses povos não sabem quem é a Funai, o que é avião, carro nem quem é o presidente da República. Então, os indigenistas sabem como fazer esse contato, são pessoas preparadas para isso. 
Você acha que alguma ação tua conflitou interesses do governo?
Nos últimos dois meses atuamos pesado junto com outras instituições contra o garimpo, fazendo inutilização de garimpo, destruindo garimpo. Fizemos, agora em setembro, a maior destruição de garimpo do ano. A última operação de combate à mineração foi na reserva Yanomami, onde destruímos garimpos, foi na sexta-feira, cheguei à tarde e recebi minha exoneração.
Outro lado
Em nota, a Funai refutou a possibilidade de que a demissão de Bruno Ribeiro tenha sido política:
Conforme artigo nº35 da Lei nº8.112/97, inciso I, a exoneração de cargo em comissão e a dispensa de função de confiança é um ato discricionário da autoridade competente. Ou seja, é algo natural quando há renovação da presidência dentro de órgãos públicos, e, muitas das vezes necessário para que novas diretrizes de gestão sejam implementadas.
A posse do senhor Marcelo Xavier, como presidente da Funai, deu-se há mais de dois meses, em 24 de julho último; assim sendo, as mudanças nos cargos de confiança estão sendo realizadas de forma gradativa.
Todas as alterações observam a legislação e a regulamentação inerentes ao ato administrativo, prezando pela lisura e transparência ao cidadão.
Reitera-se que o serviço público atua sob o princípio da impessoalidade, de modo que as atividades de proteção territorial continuarão ocorrendo.(Do Brasil de Fato)


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