Por Akemi Nitahara - Repórter da Agência Brasil - Foi enterrado no fim da manhã desta quarta-feira (10) o músico Evaldo dos Santos Rosa, morto por homens do Exército no domingo (7), em Guadalupe, quando ia com a família para um chá de bebê. O carro dirigido por Evaldo foi alvejado por 80 tiros de fuzil. O músico foi atingido por três tiros e morreu na hora. O sepultamento ocorreu no Cemitério de Ricardo de Albuquerque, na zona oeste do Rio de Janeiro, e foi acompanhado por centenas de pessoas. A viúva, Luciana dos Santos, precisou ser amparada para acompanhar o caixão.
O advogado João Tancredo, que representa a família de Evaldo, disse que vai pedir a transferência do caso, que está sob responsabilidade da Justiça Militar, para o Tribunal do Júri, para dar mais transparência às investigações.
"Nós pretendemos forçar, de todas as maneiras, que ele vá para a Polícia Civil, para apuração da Justiça estadual. É um crime doloso contra a vida, é competência do Tribunal do Júri. Não estou dizendo que não quero que fique com a Justiça Militar porque eles são desonestos, eu estou dizendo que eles são corporativos. Vão fazer uma visão corporativa de um determinado fato. Isso está errado, o julgamento tem que ser independente. E a visão independente é de quem não participou".
Segundo Tancredo, o embasamento para pedir a mudança de competência é da Lei 13.491, de 2017, que altera o Código Penal Militar. "A lei fala de militares em missão. Ali eles não estavam em missão, a não ser que a missão do Exército seja matar. Não era uma missão, eles estavam ali parados até de forma irregular e cometeram o crime. Por essa singela razão, esse crime não é da competência da Justiça Militar".
O advogado lembrou que houve uma tentativa dos envolvidos de incriminar as vítimas, afirmando que eles teriam respondido a uma injusta agressão.
"Vamos admitir que fossem bandidos dentro do carro. Cadê a injusta agressão? Não teve tiro nenhum! Depois começaram a mexer no veículo pra ver se tinha arma. Os familiares falaram 'está sendo filmado, não coloca nada aí não'. Porque ainda tem esse risco, olha que história, você é vítima de uma atrocidade e tem que começar a promover a sua defesa. Isso é o fim do mundo! Não sabemos mais o que fazer diante disso. E atinge a camada menos favorecida da população".
Indenização
Segundo ele, a União será acionada para indenizar a família, que perdeu seu provedor. "A indenização a gente vai entrar com ação amanhã (11). O motivo é que a família está inteiramente desprotegida. O Evaldo era provedor dessa família, até que saia uma pensão da Previdência. Ele tinha um trabalho que não era registrado, a família não vai receber esse valor. A gente quer também o tratamento psicológico. A gente vai exigir da União, não é com o Exército, que não tem legitimidade pra responder a uma ação, quem responde é a União".
O sogro de Evaldo, Sérgio, que estava no banco do carona, foi baleado nas costas e está internado no Hospital Albert Schweitzer. A direção do Hospital Estadual Carlos Chagas informou que Luciano Macedo, outro baleado, catador de material reciclável, que vive em situação de rua e está com a esposa grávida de cinco meses, apresenta estado de saúde grave. Ele foi ferido ao tentar ajudar os atingidos no carro.
Dos 12 homens do Exército que participaram da ação, dez foram presos em flagrante na segunda-feira (9).
Rio de Paz
A organização não governamental (ONG) Rio de Paz promoveu um ato em homenagem a Evaldo, com 80 bandeiras do Brasil furadas e marcadas com tinta vermelha, na comunidade do Muquiço, onde ocorreu o crime. Para o presidente da ONG, Antônio Carlos Costa, a morte de Evaldo foi um "ataque aos valores mais importantes da democracia, valores que não se negociam".
"Estamos certos de que os soldados não queriam matar inocentes, nós lamentamos pela vida deles, destruídas, isso em razão de uma cultura presente no nosso país que é fomentada, lamentavelmente, por autoridades públicas, que estimulam o atire primeiro para saber quem é depois".
Segundo ele, os familiares da vítima estão destroçados, com a esposa inconsolável e o filho de 7 anos se recusando a voltar para casa sem a companhia do pai. Costa ressaltou também que esse tipo de ação do Exército jamais ocorreria em uma região mais rica da cidade.
* Colaborou Raquel Junia, repórter do Radiojornalismo
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