A onda da terror provocada pela candidatura fascista de Jair Bolsonaro (PSL) chegou aos consultórios de psicanálise. Psicanalistas do Brasil inteiro narram uma enxurrada de relatos sobre violência, medo e pânico político em seus consultórios. Esses relatos foram organizados em uma matéria do jornal El País e chocam pelo desalento político que tomou conta do país. O relato de um paciente sobre a ameaça sofrida resume o drama: "e aí, seu viadinho de merda, já viu as pesquisas? Vai aproveitando até o dia 28 pra andar de mãozinha dada, porque, quando o mito assumir, acabou essa putaria e você vai levar porrada até virar homem".
A reportagem do jornal El País destaca a narrativa de um dos psicanalistas: "ele entra sem dizer uma palavra e logo começa a chorar. Pergunto o que aconteceu e ele me diz, assustado, que foi abordado por um cara da faculdade, com as seguintes palavras:
– E aí, seu viadinho de merda, já viu as pesquisas? Vai aproveitando até o dia 28 pra andar de mãozinha dada, porque, quando o mito assumir, acabou essa putaria e você vai levar porrada até virar homem.
Depois, é a menina que já entra chorando e me diz:
— Sil, me ajuda... não sei o que fazer... você não vai acreditar no que aconteceu comigo hoje... Eu estava na escola e fui pegar um livro no meu armário... Tinha uma folha de papel...
Aí ela me mostra uma foto no celular, porque entregou a tal folha na diretoria, com esta mensagem aqui:
– Achou mesmo que era só sair gritando #elenão pra parar o bolsomito, feminazi??? Perdeu, escrota!! E daqui a pouco você vai ter motivo pra gritar de verdade!!!
O relato, feito pelas redes sociais, é da psicanalista Silvia Bellintani, pouco antes do primeiro turno das eleições. Devidamente autorizada pelos pacientes, ela conta o que escutou de dois deles no seu consultório, numa mesma tarde: ele, homossexual, 19 anos; ela, heterossexual, 17 anos, feminista".
A matéria informa que "nos últimos dias, começaram a circular posts de psicanalistas e psicólogos que decidiram levar para o debate público o que escutam no seu consultório. Sem expor os pacientes, mas apontando o que vem acontecendo na sociedade brasileira apenas pela possibilidade, bastante grande, de um homem como Jair Bolsonaro, defensor da ditadura, da tortura e da violência, assumir a presidência do país".
Em um post intitulado "Ser analista sob o ódio", Ilana Katz escreveu:
"Alguém, dilacerado, conta que apanhou em casa por defender suas posições e, na sessão seguinte, outro alguém refere como fake news o que a colega conta sobre amigos homossexuais sofrerem agressões. Alguém diz que não pode votar em corrupto, xinga os corruptos, odeia os corruptos e se inflama ao dizer que as instituições da República vão controlar a misoginia e o racismo de Bolsonaro, e então renova seus votos. Entra depois a menina que sofreu constrangimento público no metrô por vestir #EleNão, e nem pessoa nem instituição nenhuma correu em seu socorro. Essas não são conversas de WhatsApp. Nas duas últimas semanas, o ódio deitou no meu divã e não saiu mais. Entra e sai gente: criança, adulto, adolescente, e esse é o tipo de afeto que circula. Desde o final do primeiro turno, o ódio tomou mais corpo. Mais corpos".
"Palavras que incentivam a negação absoluta do outro são como balas perdidas: encontrarão um ponto de parada para perfurar"
A reportagem ainda aponta que "várias instituições de psicanálise fizeram manifestos pela democracia –e contra a opressão representada pela candidatura de extrema direita. Entre elas, a Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano:
'A política da psicanálise se associa à ética do bem-dizer e nos leva a fazer frente ao discurso do ódio ao outro, em pleno Estado democrático. O discurso do analista deve circular na pólis e, quando nos dirigimos ao mundo, o silêncio do 'terror conformista' não nos cabe'.
Segundo o jornal, "psicanalistas da Escola Brasileira de Psicanálise também posicionaram-se, propondo "um movimento de circulação de breves relatos do que tem sido escutado nas ruas do país sobre os efeitos nefastos que a ameaça do fascismo é capaz de provocar". Em texto veiculado nas redes, afirmam:
"Quando o valor das palavras é banalizado, a ponto de o pior poder ser dito por um candidato à presidência da República, como se fossem apenas palavras ao ar, perdemos a noção de que estamos escrevendo, com elas, nossa história. Perdemos a noção de que palavras se cravam na história, nos ouvidos e nos corpos de um país. Palavras que incentivam a negação absoluta do outro são como balas perdidas: encontrarão um ponto de parada para perfurar. E nunca se sabe ao certo, de antemão, onde será. Não será sem consequências nos fazermos de surdos para o pior. Escutemos, pois".247
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