No
universo da internet, estamos todos sujeitos às leis dos Estados
Unidos. Essa é a conclusão do perito forense e advogado especializado em
tecnologia da informação José Antônio Milagre sobre as denúncias de que
órgãos de segurança norte-americanos têm acesso aos servidores de
empresas de telefonia e de internet sediadas no país. Para o
especialista, se as denúncias forem confirmadas, a quebra da privacidade
dos internautas pode configurar “uma absurda agressão a um direito
humano internacionalmente reconhecido”.
A extensão dos grampos ainda é
desconhecida. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, já admitiu
que o Congresso autorizou a execução do programa de vigilância das
comunicações chamado Prism (em português, Métodos Sustentáveis de
Integração de Projetos), mas alegou que “ninguém ouve” as chamadas
telefônicas dos cidadãos norte-americanos.
“Sempre imaginamos a internet como um
patrimônio mundial. Só que ela necessita de servidores que armazenem e
suportem os serviços e as interações proporcionadas pela rede mundial de
computadores. E basta mapearmos a estrutura física [da web] para
constatarmos a grande dependência da infraestrutura norte-americana”,
disse o advogado à Agência Brasil.
Na quarta-feira (12), ao revelar que o
governo está preocupado com o tema, o ministro das Comunicações, Paulo
Bernardo, defendeu a necessidade de mudanças na legislação brasileira e a
construção de centros de processamentos de dados (data centers) no
país. Para o ministro, isso permitiria que as informações dos
internautas brasileiros fossem armazenadas no país e ficassem submetidas
à legislação brasileira.
“Os principais serviços, como as redes
sociais, são oferecidos por empresas sediadas em solo norte-americano.
Além de estarem, portanto, sujeitas às leis dos Estados Unidos, elas nos
impõem termos de uso em consonância com a legislação norte-americana”,
comentou o advogado, destacando a “pouca maturidade” da maioria dos
brasileiros com o tema da privacidade na rede mundial de computadores.
De acordo com o advogado, as redes
sociais não oferecem opção aos usuários. “Até porque, não há escolha. Ou
a pessoa aceita os termos de uso, ou se desliga da internet. Por isso,
as pessoas cedem parcelas de sua privacidade. A questão é que, até hoje,
a maioria dos usuários acreditava que suas informações pessoais
estariam seguras e não seriam intercambiadas. Esse episódio apenas
reforça [a tese de] que a proteção aos dados de estrangeiros não é tão
robusta quanto muitos imaginavam”, ponderou o especialista.
José Antônio Milagre aponta que as
matérias dos jornais The Guardian (britânico) e The Washington Post
(norte-americano), escritas a partir das revelações feitas por Edward
Snowden, ex-agente da CIA, a agência de inteligência norte-americana,
indicam que os dados de internautas de todo o mundo eram coletados pelas
empresas e compartilhados com o governo norte-americano sem qualquer
autorização, com a justificativa de proteger os cidadãos
norte-americanos e os Estados Unidos.
“Na medida em que as autoridades coletam
essas informações sem o conhecimento dos usuários ou de uma autorização
judicial, há, evidentemente, uma violação de tratados, garantias e
direitos reconhecidos internacionalmente”, disse o especialista,
defendendo a necessidade de novos mecanismos para evitar a violação de
dados, salvo em casos excepcionais, com ordem judicial.
“Esse episódio vai contribuir para uma
reflexão sobre a necessidade de diretrizes ou normativas internacionais a
respeito da preservação da privacidade das informações pessoais. Ainda
tratamos a privacidade com o olhar de 40 anos atrás”, acrescentou.
O advogado lembrou que vários países já
adotam ou discutem mecanismos jurídicos semelhantes ao Patriot Act, lei
criada após os ataques do 11 de Setembro de 2001, com a justificativa de
combater o terrorismo. De acordo com José Antônio Milagre, o próprio
Brasil também tem um acordo com os Estados Unidos, o Tratado de
Assistência Legal Mútua, “uma ferramenta importante para o enfrentamento
dos crimes eletrônicos em casos em que as autoridades necessitam de
dados que não estão armazenados no país de origem da investigação”.
(Agência Brasil)
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