Especialistas avaliam que as alterações devem provocar reflexos imediatos no país e apontam possíveis equívocos
Por: Correio Braziliense
Assuntos polêmicos na área de direito penal e que podem refletir profundamente na segurança pública devem ser pautados antes mesmo de o presidente eleito, Jair Bolsonaro, tomar posse, em 1º de janeiro do próximo ano. Parlamentares da bancada da bala se articulam para votar projetos que relativizam o Estatuto do Desarmamento. A intenção é derrubar barreiras legais e permitir que a posse de armas de fogo seja autorizada para qualquer cidadão. Outra medida, anunciada por Jair Bolsonaro antes mesmo de se lançar candidato, é a chamada excludente de ilicitude de policiais em serviço. Esse tipo de “salvo conduto” está previsto no Código Penal Militar para os casos de legítima defesa.
As mudanças na legislação devem ir além. Os debates sobre a redução da maioridade penal voltam com força no Congresso Nacional, apoiadas em discursos do futuro chefe do Executivo. Essa é uma bandeira antiga do militar reformado do Exército. Em uma audiência pública sobre o assunto realizada em 2015, na Câmara, Bolsonaro defendeu que a medida reduziria os índices de violência. “Não dá para esperar acontecer com nossas famílias e depois ficar abraçando a Lagoa Rodrigo de Freitas (no Rio de Janeiro), e soltar pombas pedindo justiça. Imagine ficar sem um filho por causa de um celular?”, disse na ocasião.
A redução da maioridade penal tramita por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 171) apresentada no parlamento, em 1993, e que vem criando polêmica desde então. O texto, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, muda o artigo 128 da Constituição, que passaria a determinar que “são penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos”. É preciso que a maioria dos parlamentares da câmara e do senado federal aprovem a medida.
Atualmente, apenas profissionais de segurança pública e das Forças Armadas, procuradores, juízes e pessoas autorizadas pela Polícia Federal (PF) têm direito ao porte. A ideia, prevista no plano de governo apresentado por Bolsonaro, e reforçada em discursos públicos, pretende reduzir os requisitos para o acesso às armas de fogo. De acordo com a Polícia Federal, atualmente, para a aquisição, é necessário apresentar um motivo, por meio de uma “declaração escrita da efetiva necessidade, expondo fatos e circunstâncias que justifiquem o pedido”. Se a mudança no Estatuto do Desarmamento for aprovada, essas regras podem cair, assim como será extinta a atribuição da PF em fazer a triagem de quem pode ou não comprar uma arma.
Expectativa
As medidas, desde que foram anunciadas, causam temor entre os especialistas, por irem contra os estudos sobre segurança pública e medidas adotadas em outros países. O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Rafael Alcadipani, associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, alerta que o número de mortes pode aumentar de forma significativa. “Os estudos são uníssonos em colocar que, quanto mais armas, mais homicídios. A cada 1% da quantidade de armas, aumenta em 2% o indicador criminal. Nós teremos de fazer novas campanhas de desarmamento. Vai aumentar o índice de suicídios”, afirma.
De acordo com o especialista, caso a posse de armas seja liberada, como ocorre em países como os Estados Unidos, que tem uma estrutura de segurança pública bem melhor que a do Brasil, os impactos negativos para a sociedade, como o aumento de mortes violentas e suicídios, ocorreriam a partir do terceiro ano.
O professor da FGV destaca que medidas tomadas pelo governo atual estão indo no sentido do que se recomenda para conter a onda de violência. “O Ministério da Segurança Pública está indo nessa direção com a implantação do SUSP e a integração das polícias. Agora, é necessário aportar recursos e esforços na área de investigação”, completa.
Excludente de ilicitude
A proposta mais polêmica, o chamado excludente de ilicitude, é interpretada por especialistas como uma licença para matar. Em uma PEC enviada ao Congresso por Bolsonaro e seu filho, Eduardo Bolsonaro, está prevista a inexistência de investigação nos casos em que terceiros forem feridos ou mortos por policiais durante operações policiais. De acordo com o texto, apenas seriam investigados os casos em que existirem indícios de que o agente da lei não agiu em legítima defesa.
O professor de direito penal do Instituto de Direito Público (IDP) de São Paulo, João Paulo Martinelli, afirma que não há motivos para alterar esse ponto da legislação, pois a ausência de penalidade está prevista na lei para os agentes públicos que agem no estrito cumprimento do dever legal. “Não vejo necessidade de fazer nenhum tipo de mudança. O Código Penal Militar prevê a excludente de ilicitude em caso de legítima defesa. O que não pode é haver excesso. Se a proposta permitir que eventuais excessos não sejam punidos, aí seria inconstitucional, pois o Estado estaria autorizando atos que não condizem com a legislação. A legítima defesa pode ocorrer mesmo diante de agressão iminente, como o perigo de levar um tiro. Não é necessário esperar o criminoso atirar primeiro.”
Para o professor Rafael Alcadipani, a medida, se adotada, vai elevar o número de casos de letalidade em ações policiais. “Vai aumentar a violência policial, e bastante. Vai gerar um banho de sangue que começaria pela periferia e seguiria depois para os bairros nobres”, destaca.
Propostas
» Redução da maioridade penal: adolescentes com 16 anos seriam presos em centros de detenção comuns, destinados para adultos.
» A redução da maioridade penal geraria impacto em outras regras, como direito a tirar habilitação para dirigir, idade para casar e ingresso em universidades.
» Entre as medidas está a liberação da posse de arma de fogo para todos os cidadãos. A PF deixaria de ser o órgão responsável por autorizar o acesso legal a uma arma de fogo.
» Castração química para estupradores: medida prevê a aplicação de medicamentos para condenados por estupro para reduzir a libido.
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