Folha de S.Paulo – EDITORIAL
Tímida retomada econômica não evita aumento da pobreza extrema e queda da renda do trabalho
O aspecto mais perverso da brutal recessão de 2014-16 —e da lenta recuperação que a sucedeu até agora— é o custo desproporcional imposto aos mais pobres.
Como primeiro impacto, o fechamento de vagas no mercado de trabalho e a queda da renda reverteram uma trajetória de avanços sociais que já completava uma década. Durante o longo ciclo de retração, a taxa de desemprego subiu de 6,5% para 13,7%, ou, dito de outro modo, 5,9 milhões de pessoas perderam seus postos.
A retomada do crescimento econômico, iniciada no ano passado, tem se mostrado tímida, e a alta de apenas 1% do Produto Interno Bruto esteve longe de compensar as perdas acumuladas.
Embora a desocupação tenha caído um pouco, para 12,6% em fevereiro, a qualidade das vagas geradas deixa a desejar.
Não surpreende, pois, que os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE mostrem um quadro deteriorado.
A partir deles, a consultoria LCA calculou que em 2017 a pobreza extrema se elevou em 11%. Conforme os números publicados pelo jornal Valor Econômico, 14,8 milhões de brasileiros são miseráveis —considerando uma linha de R$ 136 mensais. O Nordeste abriga 55% desse contingente.
Embora não se possa afirmar com certeza, uma vez que o IBGE alterou a metodologia da Pnad e ainda não divulgou as novas séries históricas, é plausível que também a exorbitante desigualdade social brasileira tenha aumentado com a recessão.
No ano passado, houve certa estabilidade, em patamares vexaminosos: a renda do trabalho do 1% mais rico, de R$ 27,2 mil mensais em média, equivalia a 36 vezes a dos 50% mais pobres, de R$ 754.
O índice de Gini, que mede a disparidade de rendimentos numa escala de 0 a 1, ficou em 0,549 em 2016 e 2017. Só países africanos e latino-americanos atingem níveis tão altos ou maiores.
De todo modo, medições mais amplas que a Pnad —com inclusão de dados do Imposto de Renda para captar com mais precisão ganhos como aluguéis, dividendos e lucros financeiros— já indicavam que não houve redução substantiva da desigualdade mesmo nos melhores momentos da década passada.
O risco, agora, é que até o processo de melhora na distribuição da renda do trabalho nacional tenha sido interrompido.
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