Ex-ministro da
Justiça, ex-advogado-geral da União e advogado da presidente deposta Dilma
Rousseff, José Eduardo Cardozo traçou nesta segunda-feira, 17, a trajetória do
golpe parlamentar de 2016, que completa um ano.
Em
artigo publicado no Poder 360, Cardozo diz que a vitória de Dilma em 2014 fez
explodir descontentamento das elites. Criou-se um arcabouço frágil para acusar
a presidente e falou-se em 'conjunto da obra'. Eduardo Cunha aceitou processo
após falhar em chantagem.
"Pagamos
hoje o preço da inconsequência oportunista e da hipocrisia. A crise se agravou
e os Poderes do Estado, diante do descrédito da institucionalidade, sobrevivem
em conflito. Um governo fraco que perdeu a bússola, ao ver seus timoneiros e
seguidores chafurdarem na lama. Paga-se o preço da maldição democrática, pela
qual quem fere a democracia, cedo ou tarde, por ela será destruído", diz
Cardozo.
Leia
o artigo:
A ILUSÃO DO IMPEACHMENT
Por
José Eduardo Cardozo
Atribui-se
a Kant a afirmação de que “quanto mais civilizados se tornam os homens, mais
eles se tornam atores. Querem exibir-se e fabricar uma ilusão”. Essas palavras
ganharam corpo e densidade histórica no impeachment de Dilma Rousseff.
A
eleição de 2014 foi um duro embate. De um lado, a candidata à reeleição
propunha a continuidade de um governo que havia tirado milhões de brasileiros
da miséria. De outro, Aécio Neves propunha um claro retorno ao neoliberalismo
do período FHC.
Ganhou
Dilma Rousseff. O descontentamento das elites conservadoras e dos derrotados
explodiu. Queriam deslegitimar o resultado das urnas. Não conseguiram.
Iniciaram, então, a conspiração pelo impeachment.
Inicialmente
a conspiração vinha dos políticos derrotados. Mas, com o avançar da Lava Jato e
a firme posição da presidenta em não obstá-la, outros a ela se somaram. Queriam
por fim à “sangria da classe política brasileira” causada pelas investigações
de corrupção.
Foi
Eduardo Cunha a sua mola propulsora. Apoiador de Aécio Neves, eleito presidente
da Câmara contra o governo, não escondia de ninguém o seu descontentamento com
as investigações. Usou seu poder para desestabilizar o governo. Criou um clima
de ingovernabilidade não permitindo a aprovação de medidas de combate à crise,
e ao pautar a votação de projetos que arrebentavam a economia do país. E após
exigir, sem sucesso, que o governo impedisse a abertura do seu processo de
cassação, abriu o processo de impeachment.
Em
um país marcado pela corrupção, as acusações dirigidas contra Dilma Rousseff
eram risíveis. Ela não foi acusada de enriquecimento indevido, mas da prática
de falsos ilícitos orçamentários. Foi acusada de atos praticados pelos governos
anteriores, sem que, até então, ninguém tivesse questionado nada a respeito.
Foi, inclusive, acusada de ter praticado um crime, sem que nenhum ato seu
tivesse sido encontrado.
Um
verdadeiro escândalo. Aliás, eram tão frágeis as acusações que os defensores do
impeachment passaram a se escudar na desculpa de que a destituição se daria, na
verdade, não por estes “crimes”, mas pelo “conjunto da obra”. Agiam como se
estivessem no parlamentarismo, uma vez que, no presidencialismo, um impeachment
apenas pode ocorrer diante de atos ilícitos provados, gravíssimos e dolosos.
Consumou-se,
então, o impeachment, com clara ofensa à Constituição. Para quê? Para tirar o
país da crise e da corrupção, diziam os “ilusionistas” que articularam, “para o
bem do povo”, o golpe parlamentar.
Não
só não salvaram o país, como o afundaram de vez. Seguindo o programa neoliberal
do candidato derrotado em 2014, o governo Temer se esforça para tirar direitos
da classe trabalhadora. Não soluciona a crise econômica e cria uma crise
social.
Quando
fizemos a defesa de Dilma Rousseff no processo de impeachment, afirmamos que
nenhum governo ilegítimo tiraria o Brasil da crise. Afirmamos que um golpe
articulado pelos que diziam combater a corrupção sob a luz do sol, mas se
locupletavam a mancheias na calada da noite, colocaria em descrédito as
instituições brasileiras.
E
assim foi. Pagamos hoje o preço da inconsequência oportunista e da hipocrisia.
A crise se agravou e os Poderes do Estado, diante do descrédito da
institucionalidade, sobrevivem em conflito. Um governo fraco que perdeu a
bússola, ao ver seus timoneiros e seguidores chafurdarem na lama. Paga-se o
preço da maldição democrática, pela qual quem fere a democracia, cedo ou tarde,
por ela será destruído. E para quem imaginava que o futuro colocaria os
“atores” do golpe no banco dos réus, antes do que se esperava, as palavras
atribuídas a Kant vieram a ter um sentido de lamentável verdade histórica.
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