Com a queda do poder de compra das classes baixa e média, a alternativa é substituir alimentos para não faltar
Jacira Gomes e seus vizinhos no momento em que compartilhavam uma única sopaFoto: Rafael Furtado/Folha de Pernambuco
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E quando os cortes afetam a mesa da população? O arrocho na economia brasileira fez com que o poder de compra, principalmente das classes baixa e média, caísse diante dos inflacionados valores de mercadorias que compõem a cesta básica. Na ordem do dia, a regra é substituir para não faltar. A carne foi o primeiro item a perder espaço nas refeições de muitas famílias. Deu lugar ao ovo, frango ou embutidos como forma de completar a proteína. Nem mesmo o feijão escapou.
O grão caiu na lista de prioridades depois que o preço duplicou de um ano para o outro. O resultado dessa matemática na alimentação - onde se subtrai itens importantes para a nutrição e se acrescenta produtos que enganam a fome - pode ser desastroso para a saúde. Evitar que a inflação dos alimentos, aliada ao desemprego e a alta do custo de vida, piore os índices de desnutrição, obesidade e comorbidades na sociedade é mais um desafio da crise brasileira.
A Região Metropolitana do Recife (RMR) fechou maio como a área de maior custo de vida do País. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA-15) apontou que no Grande Recife a inflação foi de 0,65%, quando a média nacional foi 0,24. O levantamento aponta que o mau desempenho foi puxado pelo reajuste das contas de energia elétrica que subiram 8,87%, desde 29 de abril e variação de 2,89% nas passagens de ônibus, a partir do corte de meia-entrada nos coletivos aos domingos.
No quesito alimentação, o índice subiu mais quando se trata de levar para casa tubérculos, raízes e legumes (11,24), carnes (1,19) e pescados (1,05). Em contrapartida, os açúcares e derivados tiveram decrescimento de 7,51 nos valores. Carnes e peixes industrializados, a exemplo da salsicha, linguiça e mortadela, ficaram mais baratos.
Diante de tanto estica e puxa de números em tantos setores da vida cotidiana, várias donas de casa estão fazendo uma ginástica para alimentar suas famílias. “A carne foi a primeira coisa que a gente teve que cortar porque ficou cara demais e nunca dá para todos. Mesmo quando a gente compra galinha, e vai tratando para tirar o couro, o que sobra é tão pouco que a gente fica olhando para a panela sem acreditar”, contou a dona de casa Jacira Gomes da Silva, 59 anos. Ela, que mora com o marido, o filho, a nora e mais duas netas tem optado por inserir no cardápio uma mistura de mortadela picadinha.
É no volume do embutido que todos comem de forma mais igual, acredita. “Nunca vi minha geladeira assim. Além do preço das coisas terem aumentado muito, perdemos o Bolsa Família das crianças desde o começo do ano e estamos cinco pessoas sobrevivendo do meu benefício que é de um salário mínimo”, disse.
Compartilhamento
A solidariedade tem sido o diferencial em alguns dias para melhorar o cardápio em casa. Ao encontramos com Jacira, na comunidade dos Coelhos, no Centro do Recife, ela acabara de receber de uma vizinha um pequeno caldeirão de sopa que era consumido na calçada junto com outras mulheres e crianças da rua. “Estava querendo tomar sopa.
O copo custava R$ 3, mas eu estava lisa demais. A minha amiga soube e veio trazer. Assim a gente vai se ajudando.”
Na dispensa de Rosilene Gomes da Silva, 50, o item que desapareceu foi o leite. O feijão e o arroz passaram a ser comprados de forma mais racionada. “A gente tem que dar uma regrada. Faz um dia e outro não, ou divide a quantidade para dois dias”, ensinou. O desemprego geral que pegou de surpresa a família de Maria das Graças Lira, 65, também provocou novos hábitos alimentares. “Aqui em casa somos oito, sendo três netos pequenos, mas só um de nós agora está empregado. Com a situação difícil o jeito foi reduzir a feira. O dinheiro deixou de dar para comprar inhame e batata-doce e para substituir temos mais pão e cuscuz. Já de lanche, do bolo fomos para o biscoito recheado que é mais em conta”, contou.
O almoço na residência de Rildineide Gouveia, 52, perdeu a fartura dos últimos anos e deve sofrer novas baixas se as coisas não melhorarem. “Temos optado pelo que é mais barato. Galinha, fígado ou salsicha. Feijão, no próximo mês, só vamos comprar uns três quilos e só será para meu irmão e para mim que temos problemas de saúde”, disse. Rildineide, que é portadora de uma doença cardíaca, e o irmão são pensionistas do INSS e o benefício é a única fonte de renda da casa que abriga oito adultos. Além dos alimentos de consumo comum de toda a família, ela pela condição de saúde precisa de itens com menos sódio, carboidratos e gorduras. Mas, confessou que é uma dieta difícil de manter nesses tempos de inflação.
Riscos antinutricionais nos hábitos alimentares
A especialista em nutrição clínica funcional e terapêutica e integrante do Hospital das Clínicas, Jerluce Ferraz, destacou que a dificuldade financeira tende a reforçar maus hábitos alimentares. “O brasileiro mesmo sem crise, e de todas as classes, já se alimenta mal qualitativamente. Principalmente nas classes mais baixas. O que é mais prático se pega. Só que muita coisa que é prática e barata é de péssima qualidade. E alguns desses produtos com a crise se tornaram obrigatórios”, comentou, exemplificando a multiplicação das salsichas em refeições diárias, de sucos em pó e massas.
A nutricionista esclareceu que embutidos e enlatados são itens ultraprocessados, que não podem ser enquadrados como alimentos, mas como produtos alimentícios. Nesse processo de fabricação são sujeitos a químicas, inclusive com substâncias cancerígenas, para manutenção de validade e conservação. “Ao receber muito químico o impacto é uma desordem da saúde. Isso atrapalha a funcionalidade do corpo e a pessoa fica com deficiência nutricional”, chamou a atenção Jerluce. É na troca de carboidratos do bem como inhame e batata-doce pelo pão e massas e da proteína fresca pelos ultraprocessados que estão gatilhos importantes para a obesidade e, consequentemente, para a diabetes e hipertensão. Nas crianças o dano ainda é pior, como deficiência do desenvolvimento integral e intelectual dos pequenos.
Jerluce Ferraz aponta que antes de racionalizar os alimentos, a população precisa ter ideia de educação nutricional. “Fazer uma dieta saudável não é sinônimo de gastar mais dinheiro. É questão de escolha baseada em informação”, esclareceu.
Uma dica simples de alimento com bom valor nutricional é o ovo. Vegetais e verduras, que também não têm encarecido a feira são outros coringas da mesa em épocas de pouco dinheiro. É a criatividade e não a praticidade dos industrializados que pode ser a saída para se manter saudável neste momento. (Via: Folhape).
Blog do BILL NOTICIAS