quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

PF não pode ser usada para atingir objetivos políticos, diz diretor da PF

 COMBATE AO CRIME ORGANIZADO

Luís Flávio Zampronha considera "injustas" as críticas de que a corporação removeu delegados e trocou superintendentes por pressões políticas do governo Bolsonaro


                                 Por Agência O Globo

À frente do setor mais delicado da Polícia Federal, que cuida das delegacias de corrupção, narcotráfico e lavagem de dinheiro, o diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), Luís Flávio Zampronha, considera “injustas” as críticas de que a corporação removeu delegados e trocou superintendentes por pressões políticas do governo de Jair Bolsonaro.

Em entrevista ao Globo, ele atribui os ruídos a “colegas insatisfeitos com a perda do cargo de chefia que utilizam investigações sensíveis para tentar se manter no posto” e mostra o balanço do último ano para reforçar o papel institucional e o trabalho de continuidade da PF, "independente de alterações em chefias e mudanças de ministério".

— A PF não pode deixar ser usada para atingir objetivos políticos, de um lado ou de outro, e isso vale para todos os aspectos políticos e ideológicos — afirmou o delegado, que está há 23 anos na corporação e faz parte do rol do confiança do diretor-geral, Paulo Maiurino, que o nomeou ao posto em abril de 2021.

Segundo o levantamento, a PF teve um aumento de 34% no número de operações em 2021 em comparação com 2020 — foram 9.694 ante 6.933. O dado também representa quase o dobro das ações realizadas em 2018, 4.801. Os maiores incrementos ocorreram nos setores de combate ao tráfico de drogas e armas, crimes fazendários e pornografia infantil.

Questionado sobre a queda no número de prisões por corrupção — 44% em 2021 em comparação a 2020, conforme levantamento da agência de dados “Fiquem Sabendo”, o delegado explicou que as detenções não são de responsabilidade exclusiva da PF ("a palavra final cabe à Justiça") e frisou que a instituição manteve o mesmo ritmo de operações do gênero — 539 em 2021 ante 645 em 2020.

Para ele, que coordenou as investigações do ensalão, o foco na área hoje é investigar os repasses dos fundos bilionários da Saúde e da Educação a estados e municípios. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Delegados têm feito críticas internas de que a atual gestão da PF tem cedido a interferências políticas do governo Bolsonaro. Como responde a isso?

Não teve nenhum caso de "eu estou fazendo uma investigação aqui, me ligaram e interferiram". Todas as trocas foram mudanças relacionadas a cargos de confiança, que não têm interferência nas investigações. E os trabalhos continuaram com delegados reconhecidos na corporação.

Não é ruim para a imagem da PF realizar remoções em superintendências bem no meio de investigações sensíveis ao governo? Não seria melhor evitá-las?

Se for levar em conta esse raciocínio, a gente praticamente proíbe qualquer mudança de chefia na Polícia Federal. Toda a delegacia tem casos sensíveis de interesse público. O que causa surpresa é a repercussão de trocas normais, que historicamente envolvem a mudança de diretor. Qualquer troca neste momento gera essas repercussões, o que eu acho injusto. O que a gente percebe é que colegas insatisfeitos com a perda do cargo de chefia e de confiança utilizam investigações sensíveis para tentar se manter no posto. Esse que é o problema.

Em que casos, por exemplo, isso ocorreu?

Não vou citar nomes. Mas a Polícia Federal não pode depender de pessoas e figuras específicas, nós somos uma instituição. A Polícia Federal tem que estar fora das disputas políticas, de um lado e do outro. Não pode deixar a PF ser usada para atingir objetivos políticos. Isso vale para todos os aspectos políticos e ideológicos.

Que mudanças estão sendo implementadas na atual gestão?

O que estamos trazendo para essa gestão é definir estratégias com análise tática. Deixar de ser uma polícia reativa para se tornar mais proativa. Elencar em cada área quais são os alvos e os crimes prioritários. A PF sempre teve uma tradição de combate ao tráfico internacional e vai manter essa estrutura. Mas queremos nos voltar também para o tráfico interno, principalmente na identificação de grupos violentos financiados pelo narcotráfico que causam grandes danos sociais. Estamos realizando ações especiais neste momento no Rio de Janeiro e na Bahia. Nós criamos também uma coordenação só para crime ambiental, que não havia antes. E identificamos os eixos prioritários que queremos combater, que são garimpo ilegal, extração irregular de madeira e desmatamento por grilagem.

Delegados e especialistas em segurança consideram o foco na apreensão de drogas como uma prática de "enxugar o gelo". Qual é o principal gargalo nessa área?

Todas as polícias do mundo fazem ações de interdição da droga, até para dar materialidade às investigações. O nosso objetivo é identificar toda a cadeia produtiva do narcotráfico, os tipos de logística, rotas e grupos que fazem o transporte da droga no Brasil. O gargalo que a gente identifica são os doleiros. Aqueles que enviam o pagamento aos fornecedores e trazem o dos compradores na Europa. Nosso trabalho na polícia é basicamente criar obstáculos e tornar o crime cada vez mais desinteressante..

Apesar do mérito das apreensões, os recorde também não são uma amostra que o narcotráfico está cada vez mais forte no país?

Nós temos hoje uma grande fragmentação e pulverização das quadrilhas. É uma vantagem não ter um grande capo e líder de organização criminosa, mas isso também dificulta na hora de fazer o combate. Às vezes é mais importante identificar o elo da cadeia, um intermediário, do que o grande comandante ou um soldado raso do crime. Costumamos usar o exemplo de uma investigação que teve nos Países Baixos contra maconha hidropônica. Descobriram que só haviam duas pessoas que sabiam como montar as estufas e prestavam serviço para todos as organizações criminosas. Aí quando tiraram esses alvos de circulação trouxe um grande prejuízo aos grupos.

Neste ano eleitoral, a PF já identificou tentativas de infiltração de facções na política?

Nós já fazemos há alguns anos esse trabalho de cruzamento de dados e já identificamos vereadores, prefeitos e até deputados estaduais. As organizações criminosas sempre têm a tendência de expandir. Na Itália, por exemplo, as estruturas mafiosas se voltaram para os contratos públicos e dominaram licitações e negócios com o estado. Esse é um caminho natural e, por isso, estamos alertas para não deixar isso prosperar no Brasil.

As operações aumentaram, mas também houve uma queda no número de prisões por corrupção no último ano. Por que isso ocorreu?

Isso pode ter vários fatores. A prisão é uma medida que não está diretamente relacionada à PF. O delegado tem autonomia total para efetuar os pedidos de prisão que achar necessário. E o judiciário é que decide se está presente os critérios. A palavra final cabe à Justiça, que defere ou não as prisões.

Quais são os focos prioritários hoje no combate à corrupção?

Temos dois nichos históricos, que são os desvios de repasses dos fundos bilionários da Educação e da Saúde, que são repassados a estados e municípios. Esse é o nosso grande gargalo e foco de atuação.

Faz tempo que não ouvimos falar sobre a operação Lava-Jato. A última fase foi há mais de um ano. A Lava-Jato acabou?

Não podemos ficar usando sempre o mesmo nome de uma operação. A Polícia Federal é muito maior do que casos específicos. A Lava-Jato faz parte da nossa história, mas a PF não se resume à Lava-Jato. Não começa nem termina com a operação. Tem toda uma história antes e vai ter uma história pela frente.

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