Segundo dom Leonardo Ulrich Steiner as crises política e econômica no Brasil são, na verdade, crises éticas
Para o bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília, o governo do presidente Michel Temer 'não está cuidando do Brasil' e também não é 'atento às nossas riquezas'. Foto: Divulgação/CNBB.
De formação franciscana, o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Leonardo Ulrich Steiner, 67 anos, é uma das vozes do clero católico nacional atentas e preocupadas com os rumos político, econômico e social do país. É crítico à maneira como o governo federal conduz a economia e as questões sociais. Para ele, bispo auxiliar da Arquidiocese de Brasília, o governo do presidente Michel Temer “não está cuidando do Brasil” e também não é “atento às nossas riquezas”. Por não atento às riquezas, entenda-se privatização de empresas públicas e de recursos energéticos, a exemplo das reservas petrolíferas do pré-sal, e projetos que preveem a venda de terras brasileiras a estrangeiros. Por não cuidado com o Brasil, fala dos cortes orçamentários dos programas e dos projetos voltados às camadas pobres da população, bem como das propostas de reformas previdenciária e trabalhista. As preocupações foram expressas por dom Leonardo Steiner, quando de passagem pela capital pernambucana, onde participou, na Unicap, do Fórum Justiça e Paz, promovido pela Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de Olinda e Recife. Apesar do horizonte vislumbrado, de crise ética, da supremacia do mercado e do empobrecimento da população, o bispo frade, ligado à Ordem dos Frades Menores e doutor em filosofia, enxerga saídas. E defende uma igreja, tal qual o papa Francisco, a serviço. A serviço dos pobres, em especial.
A CNBB tem criticado os cortes orçamentários e as decisões do governo federal relativos às políticas sociais, mas com frequência se anuncia algo novo. Em matéria de cortes, chegamos ao fundo do poço?
Só chegaremos ao fundo do poço quando o mercado tiver tomado conta de tudo. O que preocupa a CNBB são justamente os pobres. São eles que mais sofrem com a crise econômica e, especialmente, com a crise ética. A crise econômica é uma crise ética. A crise política é uma crise ética. Milhões de pessoas estão desempregadas. Isso significa famílias com dificuldade com o aluguel, com a alimentação. E o trabalho, antes com carteira assinada, agora é esporádico. Trabalho de exploração. Indígenas sofrem com o descaso e quilombolas, com o abandono. Essas ações contribuem para a violência, que cresce quanto mais a ética desaparece do horizonte. A convivência, a familiaridade com a violência, entra em um beco sem saída.
O crescimento da violência seria, então, reflexo dessa tomada do poder pelo mercado?
Não só. Diria especialmente pela falta de ética na política ou por não mais nos pautarmos pela ética. Então, a coisa pública, a lei, se pode fazer ou cumprir de qualquer forma. Quase não tem diferença da coisa pública e da privada. A ética está sendo pisoteada e ela é o que dá segurança à convivência humana, dá sentido ao estado para elaborar e cumprir leis, ajuda a compreender aquilo que deve ser julgado, aquilo que deve ser absolvido. Quando desaparece, desaparecem elementos vitais, como a questão da educação, da saúde.
Como deve ser retomado o caminho da ética?
É um trabalho longo, exigente, porque é preciso fazer de novo a pessoa despertar para a grandeza da ética. Fazer uma sociedade despertar para a questão da ética é difícil, mas é preciso, através de trabalhos nos meios de comunicação, de debate, de reflexão em pequenos grupos. Creio que a Igreja deve assumir isso com muita força, elaborando subsídios de reflexão para nossas comunidades, para grupos de famílias e de rua, para as nossas comissões de Justiça e Paz. Deve levar isso às universidades católicas. Conversar sobre a questão da ética. Sem a ética, o que é vital, a convivência humana entra em crise.
Para essa retomada, a CNBB já deu passos ou ainda vai iniciá-los?
A CNBB já deu muitos passos. Veja quantas notas temos emitido, quantos diálogos temos estabelecido e nossa presença no Congresso Nacional. Temos participado ativamente das audiências públicas no Congresso. Ou indo um bispo ou eu, como secretário-geral da CNBB. Ou enviando irmãos preparados e de uma boa visão do Evangelho. Temos sido ativos, por exemplo, no momento das eleições, mostrando que a ética tem a ver com o voto. O voto é uma manifestação da ética. Estamos agora elaborando um subsídio para as eleições do próximo ano. Talvez ainda falte fazer mais como Igreja. Irmos às nossas comunidades e abrirmos o espaço necessário para que as pessoas percebam a importância e despertem para a questão da ética. Quando a gente desperta para a grandeza da ética pauta a nossa vida por ela.
É possível o povo despertar para a ética com o desânimo e a descrença que tem hoje com a política?
Na pessoa humana existe sempre bondade. Sempre tem o desejo de justiça, de melhora, de realização, de chegar à plenitude, à maturação de si mesmo. Você pode conversar com a pessoa que se encontra na situação mais difícil, porém, à medida que se conversa, percebe-se que no fundo ainda há um desejo. Em uma pessoa com profunda depressão ainda há sinais da capacidade de amar. Em uma relação que se torna difícil, como em um casamento, você ainda pode perceber sinais evidentes de alguém que ama. E se é capaz de amar, tudo se refaz. Então, na pessoa humana existe essa grandeza. Não é automático. É preciso se deixar tomar de novo, como nos deixamos tomar pela esperança, pelo amor. Não podemos deixar de acreditar na pessoa humana, especialmente nós cristãos, pois toda pessoa humana é filho, é filha de Deus.
A CNBB fala em perdas de direitos. Além das notas emitidas e dos debates, existe uma articulação da Igreja com setores da sociedade para se buscar a reversão do que chama de perdas?
Nós não temos tomado iniciativa como CNBB. É preciso distinguir que quando falamos de Igreja estamos falando de todos os batizados, quando falamos de CNBB falamos dos bispos. No sentido de Igreja existem iniciativas. Católicos cristãos, por exemplo, têm tomado iniciativa nos sindicatos. Não é preciso esperar que o bispo ou a CNBB tome uma decisão. E grupos têm vindo conversar sobre as perdas dos direitos. Há inclusive uma iniciativa popular para se rever a reforma trabalhista. Muitos buscam na CNBB um apoio, uma palavra de iluminação, uma ajuda para reflexão. Mas não é tarefa da CNBB tomar essas iniciativas.
Nas críticas às reformas, trabalhista e previdenciária, a CNBB fala em desmontes de direitos. A entidade entende que está em curso um desmonte da constituição de 1988?
É mais do que evidente. Pessoas que não são bispos, que não são da Igreja, especialistas, dizem isso. Participei de um debate, no Senado, sobre a Previdência. E a reforma não é algo que todo mundo tem que engolir. Tem que debater. Que haja necessidade de mudança, nós nunca nos manifestamos contra, mas não pode ser uma mudança de cima para baixo, sem discutir com a sociedade. O grande problema em relação ao teto dos gastos públicos, à lei trabalhista, é que é feito em um gabinete, imposto à população. Deputados e senadores, não esqueçam que foram eleitos. E nossa sociedade, não se esqueça nas próximas eleições, no momento de votar, daqueles que tiraram direitos e empobreceram a população brasileira.
Em uma de suas últimas notas emitidas, a CNBB fala em divórcio grave entre os políticos e o povo. Onde se deu essa ruptura ou será que já existiu esse casamento?
Creio que houve mais diálogo, mais sensibilidade. É preciso dizer que temos deputados e senadores que não estão divorciados da realidade. Não só porque têm ido conversar com a CNBB, mas porque são homens e mulheres que têm defendido a sociedade nos seus direitos. Quando falamos em divórcio, estamos nos referindo no sentido genérico de que existe insensibilidade de grande número de deputados e senadores em relação a questões sociais e aos pobres. Da parte do governo, existe uma insensibilidade muito grande. Senão não haveria criado medidas provisórias para atacar os direitos.
A insensibilidade do governo teria motivado a portaria que alterava a definição de trabalho escravo?
Ali, creio, existe uma dificuldade um pouco maior. Existe um pouco de lobby, no sentido de grandes proprietários quererem modificar o conceito de trabalho escravo e também do modo de verificação e julgamento. Existem elementos de uma espécie de lobby para se continuar com as pessoas trabalhando em lugares degradantes, mas não podemos esquecer que é pelo trabalho que a pessoa se dignifica. Não é pelo trabalho escravo que a pessoa se torna mais digna, mais
madura.
O papa Francisco pede que a Igreja Católica seja uma “igreja em saída”. Como isso se dá no Brasil?
Temos cada vez mais leigos, homens e mulheres, a serviço dos pobres. Diria que uma igreja em saída é uma igreja tomada pela misericórdia, atenta aos encarcerados. Olhem para o trabalho extraordinário das pastorais Carcerária, do Menor, do Povo de Rua, da Mulher Marginalizada. Por aí vemos que é uma Igreja em saída. Não é uma Igreja distanciada do mundo dos irmãos, mas atenta aos conflitos, ao sofrimento, ao descarte das pessoas. A Igreja do Brasil, neste sentido, é um sinal para outras igrejas de como a gente pode estar a serviço das pessoas. Creio que esse trabalho que temos tentado fazer, como CNBB, tem mostrado que queremos ser uma Igreja em saída, missionária, e que muitas vezes sofre. Sofre por causa da intolerância religiosa, da intolerância política, da intolerância de pessoas que não querem perceber que a Igreja está para servir. Que nós, como cristãos, como bispos, estamos para servir. E, às vezes, temos que servir realidades não aceitas na sociedade brasileira e que, às vezes, implica, em questões morais.
Por último, como o senhor vê o programa de privatização de grandes empresas e de fontes energéticas, como o tocado pelo governo Temer. Esse seria um governo, sob o que define o papa, em saída?
Não é um governo em saída. É um governo que não sai, que não está cuidando do Brasil, não atento às nossas riquezas. É um governo que não sabe nem cuidar de si mesmo. Muito menos do Brasil, para favorecer grupos. Isso é grave. Grave no sentido de que o Brasil precisa de suas riquezas. Porque o Brasil vai viver de suas riquezas. Essas riquezas devem estar, em primeiro lugar, a serviço dos brasileiros. Nós não podemos entregá-las. Isso significa depreciar a própria Petrobras. Significa que nós, devagar, estamos entregando nossas empresas. Economistas chamam atenção para tal aspecto. Vejamos a Lava-
Jato. Uma das críticas que se pode fazer à Lava-Jato, não em relação ao combate à corrupção, no que concordamos e achamos necessário, é que está penalizando as empresas e, com isso, penalizando as pessoas, que ficam sem emprego. Talvez uma das razões de tanta gente desempregada não seja só a crise econômica, mas a penalização das empresas envolvidas na corrupção. Em outros países salvaram as empresas e condenaram os donos.(C.Geral).
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