O golpe político que derrubou a presidente Dilma, a sucessão de omissões do STF e a sua desastrada decisão de abrir mão de ser a última palavra no controle da Constituição e em matéria penal levaram o Brasil à mais grave desorganização constitucional desde a redemocratização. Políticos golpistas e ministros do STF, alguns igualmente golpistas e outros covardes e medíocres, produziram esse destroçamento da Constituição.
As recentes salvações de Aécio Neves e de Michel Temer expressam o absurdo a que se chegou na destruição moral e constitucional do país. A rigor, o STF, o Senado e a Câmara dos Deputados decidiram que é legal que o Brasil seja governado por criminosos e que criminosos podem permanecer em seus cargos até o final de seus mandatos. E, se forem reeleitos ou eleitos para outros cargos, podem continuar isentos do alcance da mão da Justiça. A mesma mão da Justiça que pude os pequenos, os ladrões de galinha, e que tem um viés vingativo contra negros e pobres e outras minorias, e que acaricia os criminosos de colarinho branco e os políticos corruptos e quadrilheiros, acumpliciados com juízes e ministros do STF.
A desordem constitucional chegou a tal ponto que um dos princípios fundantes das repúblicas modernas foi destruído: a Corte Constitucional já não é mais a última palavra e o poder político é um poder supremo, com prerrogativa pronunciar a última sentença quando se trata de crimes de seus membros. Com as recentes decisões do STF, do Senado e da Câmara, deu-se validez à seguinte possibilidade anti-republicana: um presidente honesto e correto, que não tenha maioria parlamentar e que não cometeu nenhum crime pode ser derrubado pelo desastroso mecanismo do impeachment e, um presidente criminoso, denunciado inúmeras vezes, pode continuar como presidente, desde que compre seu mandato obtendo maioria parlamentar. Esta situação é vergonhosa e indigna de uma democracia e de uma república. É esta situação que o Brasil está vivenciando hoje.
O STF tornou-se a casa do arbítrio jurídico, da anarquia constitucional e da indecência moral de alguns de seus ministros. Por meio de sofismas baratos e sem rubor e nem vergonha, os ministros desdizem hoje o que disseram ontem. Aplicam decisões diversas para casos da mesma natureza e julgam aqueles que assessoram e servem, como é o caso notório de Gilmar Mendes, conhecido como conselheiro noturno de Temer e estafeta de Aécio Neves.
O STF é a casa da mãe joana, hoje presidido por uma carmen vai com os outros. Cada um decide ao sabor de seu arbítrio, de suas cumplicidades e de seus interesses, e menos ao sabor da Constituição. Decide por liminares, não decidindo em última instância. É a casa das protelações, da impunidade, do albergue de bandidos de alto coturno. É o antro da permissividade que abriu mão da prerrogativa de proteger a Constituição, deixando-a desprotegida e desguarnecida, o que leva o próprio país à deriva.
Por uma Constituinte Exclusiva e Soberana
O Brasil precisa de uma Constituinte Exclusiva com urgência para restabelecer ou estabelecer uma nova ordem democrática e republicana. A relação de equilíbrios, pesos e contrapesos precisa ser redefinida de acordo com os princípios do Estado Democrático de Direito, da Constituição limitada e do controle constitucional sobre o poder político. A excrescência anti-republicana do Foro Privilegiado precisa ser eliminada. Os fundamentos do sistema judicial e processual precisam ser revistos para impedir que um juiz, a exemplo de Sérgio Moro, tenha o poder absoluto de investigar e julgar, de ser o acusador e o emissor de sentenças.
A Constituição reformada, além de expressar uma nova ordem republicana, precisa abrigar uma concepção de democracia como justiça e igualdade, precisa remover os entraves que consagram a ignominiosa desigualdade de fato e perante a lei, consagrando comandos que permitam levar o Brasil e um desenvolvimento conjugado com a dignidade humana e um efetivo equilíbrio socioambiental. A Constituição que emergir da Constituinte exclusiva precisa ser levada ao referendo popular, pois isto nunca aconteceu no Brasil. Sem o referendo popular da Constituição o povo não será soberano e o poder carecerá de legitimidade.
A candidatura Lula
As pesquisas do Ibope e do instituto Ipsos, divulgadas no final de semana, confirmam a liderança de Lula na corrida eleitoral e ascensão de sua respeitabilidade e credibilidade. As lembranças de seu governo em contraste com o desastroso e anticivilizatório do governo que está aí, a autenticidade popular de sua liderança, a falta de provas das acusações lançadas contra ele, a ação persecutória da Lava Jato e a saciedade que as acusações provocaram na opinião pública são fatores que fazem a sociedade rever o seu juízo acerca do ex-presidente.
Mas a possibilidade da candidatura Lula ser barrada pela Justiça não está produzindo as consequências necessárias nos setores democráticos e progressistas, nos movimentos sociais, nos partidos de esquerda e, principalmente, no PT. Independentemente de que se venha votar ou não em Lula, o fato é que o direito à sua candidatura é uma questão democrática crucial para o futuro da democracia. Este entendimento parece fraco na sociedade e mesmo no PT. Pensa-se que se Lula não for candidato, surgirá um plano B qualquer.
A única ação efetiva que está ocorrendo, são as caravanas de Lula. Mas isto é insuficiente. O PT, os partidos progressistas e de esquerda e os movimentos sociais deveriam desencadear uma mobilização nacional pelo direito à candidatura de Lula, criando uma base organizada para dar-lhe sustentação. Caso contrário, se a Justiça decretar o impedimento da candidatura, o que se verá será a mesma passividade que se viu o processo do impeachment, que se viu na votação da reforma trabalhista e que se viu nas decisões acerca das denúncias contra Temer. Será uma nova derrota histórica das esquerdas e da democracia.
Os progressistas e as esquerdas deveriam se organizar para levar o país a um impasse político caso a candidatura seja barrada. Mas para isto é preciso coragem, liderança, clareza estratégica e organização. Argumentos não faltam: ilegalidades de Sérgio Moro e da Lava Jato, condenação sem provas, perseguição política, desordem constitucional do país, omissão e conivência do STF e de outros tribunais superiores com as arbitrariedades de Moro e da Lava Jato etc.
Diante das arbitrariedades e dos desmandos legais e constitucionais, não se pode aceitar o impedimento da candidatura Lula. Ela se entrelaça com a necessidade da reorganização constitucional do Brasil por meio de uma Constituinte Exclusiva. O direito à candidatura precisa ser sustentado e garantido pelas mobilizações da sociedade e pelos protestos de rua. Se os progressistas, as esquerdas e o PT forem consequentes e corajosos ou arrancarão uma vitória sobre este último ato do golpe ou levarão o país para um impasse a para a desobediência civil. Neste ponto não há meio termo, nem tergiversações e nem protelações. Nele se decidirá não só o futuro dessas forças, mas também o futuro da democracia e do Brasil.(247).
Aldo Fornazieri - Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).
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