Por: Anna Tenorio/Por: Fillipe Vilar
O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, cogita adiamento por conta da pandemia
(Foto: Roberto Jayme / Ascom / TSE)
(Foto: Roberto Jayme / Ascom / TSE)
Na semana em que o Brasil começa a discutir o planejamento da reabertura
econômica e social, medida provocada pela pandemia da Covid-19, tomou
posse o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro
Luís Roberto Barroso. Com a missão de chefiar as próximas eleições
municipais, o novo presidente chega ao cargo com a responsabilidade de
auxiliar no debate do adiamento do pleito. Na sua cerimônia de posse,
que também levou o ministro Luiz Edson Fachin à vice-presidência do
tribunal, Barroso mencionou o desafio de um possível adiamento e
descartou a unificação das eleições municipais para fazê-las coincidir
com as eleições gerais. "As eleições somente devem ser adiadas se não
for possível realizá-las sem risco para a saúde pública; em caso de
adiamento, ele deverá ser pelo prazo mínimo inevitável", discursou.
De acordo com Guilherme Gonçalves, advogado, professor da (UEL) e
membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep),
como a data da eleição é prevista na Constituição Federal para o
primeiro e último domingo de outubro de ano par, qualquer modificação
neste sentido precisa ser validada por meio de Proposta de Emenda
Constitucional (PEC). Para uma matéria deste formato ser aprovada no
congresso, ela precisa do apoio de, pelo menos, %u2154 da Câmara dos
Deputados e do Senado.
Mas segundo o
especialista, a PEC não deve sofrer resistência entre os parlamentares.
"Pelo que a gente tem visto nos partidos, já há uma espécie de consenso e
que não é possível manter a eleição diante da impossibilidade física de
aglomeração de pessoas. Ela implica nessa circunstância, sem falar na
necessidade de se fazer campanha eleitoral", explica Gonçalves, que
também reforça os motivos pelos quais uma unificação de eleições
municipais, estaduais e nacionais não ser considerada viável pelo
presidente do TSE.
"Ela implica a necessidade
de votar para sete cargos de uma vez e isso, com toda certeza, na
estrutura do direito eleitoral brasileiro, provoca um colapso da justiça
eleitoral. Há uma dificuldade do eleitor de ter o acesso a um debate
claro sobretudo numa campanha de 45 dias. E outra coisa, imagina no
horário eleitoral gratuito você ter que fazer uma eleição de vereador a
presidente?" questiona.
Conforme já noticiado
nesta semana, o congresso nacional estuda o adiamento das eleições
municipais para os dias 15 de novembro e 6 de dezembro de 2020. Há a
expectativa de que um grupo de trabalho técnico, com membros do
congresso nacional e do TSE seja montado para discutir as datas e o
calendário do pleito, incluindo o pós-eleição, quando o TSE precisa
julgar as contas de campanha e realizar a diplomação de todos os
eleitos, em todos os 5570 municípios, até o dia 1 de janeiro.
Na
avaliação de Priscilla Lapa, doutora em ciência política e professora
da Facho, o grande desafio político do adiamento das eleições é "fazer o
que é prudente, sem gerar a interpretação de que podemos estar
vulnerabilizando o processo, retirando segurança". Segundo Priscila, o
Brasil já vive um clima de insegurança jurídica há algum tempo. "A
questão é criar um pacto democrático favorável para que essa mudança não
fira qualquer princípio constitucional, não gere a sensação de que a
medida tende a favorecer quem quer que seja".
Ainda
segundo a especialista, "as regras estão sempre sendo relativizadas
dentro das narrativas políticas. Atores políticos se apropriam das
regras em seus discursos, como forma de asseverar suas verdades. Assim,
adiar as eleições parece inevitável, não apenas pelo dia em si em que
ocorrem as votações, mas pelas etapas que antecedem o pleito, como as
convenções partidárias, que acabam tendo um peso simbólico expressivo na
lógica das campanhas", concluiu.
Calendário eleitoral em mudança no mundo
Enquanto
o debate sobre o adiamento das eleições municipais de outubro ainda
ganha fôlego no Brasil, em todo o mundo, eleições locais e gerais
marcadas para este ano, já foram adiadas por conta da pandemia da
Covid-19.
Segundo dados do IDEA (Institute for
Democracy and Electoral Assistance), entre os dias 21 de fevereiro e 25
de maio, pelo menos sessenta e dois países e territórios adiaram seus
pleitos nacionais e subnacionais. Em dezoito desses paises, as
disputadas eram de caráter nacional.
Outras
democracias, no entanto, decidiram manter seus calendários. E, pelo
menos vinte e seis países e territórios realizaram pleitos. Sendo onze
deles nacionais. Além do Brasil, Cingapura e Libéria também estão no
processo de discutir a possibilidade de adiamento das eleições.
De
acordo com José Manoel, especialista em direito eleitoral e sócio do
Castro Oliveira Advogados, apesar do cenário mundial já ter nos dado
exemplos de que a realização de eleições durante a pandemia é tanto
viável quanto inviável, cada país precisa avaliar sua situação
localmente antes da decisão.
"Porque tudo vai
girar em torno da fase que a pandemia estará. Se fosse hoje,
provavelmente as eleições não poderiam ocorrer. Seriam adiadas. Mas a
gente não sabe o cenário de outubro. Por que é que os outros países
adiaram? Porque no cenário em que aqueles países se encontraram, não
tinha condições de se fazer a eleição. Então nada mais justo do que
adiar. Agora, a situação do Brasil é uma situação peculiar porque a
gente ainda não tem esse cenário concreto", reforça o especialista.
Na
Europa, países como Alemanha, Áustria, Bósnia e Herzegovina, França,
Inglaterra e Romênia, também tiveram suas eleições locais adiadas. A
lista de países europeus aumenta quando também se incluem eleições
presidenciais, como as do norte de Chipre e da Polônia, originalmente
agendadas para 26 de abril e 10 de maio, respectivamente.
Ainda
de acordo com o IDEA, na América do Sul, o Chile está entre os países
que representam essa modificação do calendário eleitoral. O referendo
constitucional, inicialmente previsto para o dia 26 de abril, foi adiado
por seis meses. A decisão foi tomada depois que o presidente chileno,
Sebastían Piñera, declarou estado de catástrofe por 90 dias. O Chile
vive uma elevação de tensão desde outubro de 2019, quando uma série de
protestos pedindo uma nova constituição tomaram conta do País.
Nos
Estados Unidos, as eleições primárias aconteceram por meio de votação
postal e os estadunidenses puderam votar enviando suas cédulas pelos
correios. "A Comissão de Assistência Eleitoral dos EUA (EAS) criou uma
página que inclui vários recursos de gerenciamento eleitoral
(Coronavirus Covid-19 Resources) desenvolvidos para autoridades
eleitorais dos EUA. EUA que estão considerando medidas de saúde e
segurança, bem como votação por correspondência. O EAS também realizou
uma audiência pública virtual em 22 de abril de 2020, focada na votação
de ausentes e por correio", explica o levantamento intitulado 'Visão
global do impacto do covid-19 nas eleições', do IDEA. As eleições
nacionais dos Estados Unidos, marcada para o dia 3 de novembro, ainda
tem sua data mantida.
Postergação já ocorreu no Brasil
A
perspectiva de adiamento das eleições por conta da pandemia de Covid-19
relembra outros momentos da história recente do Brasil onde houve
suspensão ou adiamento de pleitos. De acordo com o historiador Américo
Oscar Freire, professor da Fundação Getúlio Vargas, o nosso país
apresenta um histórico de instabilidades políticas, mas as eleições se
mantém com “certa regularidade”, apesar disso.
“A
última vez que isso ocorreu foi no governo do general João Baptista
Figueiredo, nas eleições municipais de 1980, que foram adiadas dois
anos. Houve eleições gerais em 1982, que reuniram tanto municipais como
estaduais”, conta Freire. Segundo o professor, esse adiamento ocorreu
por conta do processo de anistia política, iniciado em 1979, que
culminou na criação de novos partidos no país.
“O
sistema político estava se ordenando novamente naquele momento e aí
achou-se por bem, o governo militar e as elites políticas - que não se
manifestaram de forma tão frontalmente contrária à medida -, adiar esse
pleito”, explicou. “Antes, só existiam dois partidos, a Arena (Aliança
Renovadora Nacional), que era a agremiação favorável ao regime militar, e
o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Com a reformulação partidária
vão ser criadas algumas novas legendas. O sucedâneo da Arena vai ser o
PDS (Partido Democrático Social) e o do MDB vai ser o PDMB (Partido do
Movimento Democrático Brasileiro)”, disse Freire.
Naquele
momento, o fortalecimento da oposição ao regime militar ainda vigente
preocupou os generais, que adiaram as eleições municipais para tentar
arrefecer os oposicionistas . “A oposição vai começar a se dividir, ela
estava muito forte nesse momento. Havia possibilidade até do MDB vencer
as próximas eleições, ameaçando a tutela militar sobre o sistema
político. Nessa época, surgiram o PDT (Partido Democrático Trabalhista),
de Leonel Brizola, o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), da Ivete
Vargas, e o PT (Partido dos Trabalhadores), do Lula e dos
sindicalistas”, relata o historiador.
Mesmo com
as tensões no campo político, as eleições são frequentes na história
brasileira, explica Freire. “Uma coisa que acontece é que o Brasil tem
um largo histórico de eleições. Nosso país tem muita instabilidade
política, tivemos sete constituições ao longo da nossa história, mas
mantém um calendário regular de eleições. Essa é uma característica do
nosso sistema político. Claro que há exceções, como por exemplo no
Estado Novo, de Getúlio Vargas. Haveria uma eleição em 1938, inclusive
presidencial, e, até 1945, Vargas permaneceu. Mas de 1945 para cá você
uma certa regularidade nas eleições”, disse o professor.
“Em
relação ao mandato do general Castello Branco, que foi o primeiro
presidente militar desse período, eleito de forma indireta, houve um
adiamento dos pleitos para cargos executivos. Mas nas eleições
legislativas há uma certa regularidade. E isso é bom, o exercício do
voto é sempre bom para a democracia. Mesmo no nosso último período
autoritário, as eleições legislativas ocorreram. Para o Executivo, aí o
regime adotou uma tutela maior, eleições indiretas, colégio eleitoral.
Mas nas legislativas temos uma tradição”, concluiu Freire. (DP)
Blog do BILL NOTICIAS