O economista Luiz Carlos Mendonça de Barros é um dos principais quadros intelectuais do PSDB. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações no governo FHC, foi banqueiro e é colunista de meios de comunicação vinculados ao "mercado". Em entrevista ao Valor Econômico ele se confessa descrente com a viabilidade eleitoral de Geraldo Alckmin e prevê o segundo da disputa presidencial turno entre um candidato de esquerda e Bolsonaro. Para Mendonça de Barros, Alckmin tem "muito poucas chances. Ele tem uma boa equipe, mas não consegue falar com a população."
Ele critica fortemente a gestão da economia pelo governo Temer, especialmente pela equipe do Banco Central e considera que a política de Pedro Parente à frente da Petrobras foi "irresponsável". Ele chegou a sonhar com um crescimento da economia entre 3% a 3,5% em 2018; agora, acreditar que ficará entre 1,5% e 2%. Para ele, o governo Temer está no chão e acabou "pela segunda vez": "O governo Temer terminou uma segunda vez. Ele havia terminado na denúncia da JBS [em maio de 2017] e terminou agora, porque foi um bate-cabeça terrível. É evidente que você vai normalizar toda a questão, mas o governo se enfraqueceu demais e, ao enfraquecer o governo Temer, enfraqueceu todo o discurso da centro-direita". Na contramão da defesa do financismo que tem marcado o PSDB, Mendonça de Barros criticou acidamente os bancos privados e a concentração bancária no páís. Diante da afirmação do repórter Sergio Lamucci de que os juros estariam "baixos", ele redarguiu: "Estão baixos para quem?". E completou: "Os spreads estão muito altos e não tem volume de crédito, não expande. Isso mostrou outro erro estrutural que nós fizemos, que foi essa concentração bancária".
Para Mendonça de Barros, o Banco Central (BC) "não entendeu a natureza da recessão" enfrentada pelo Brasil - "uma bolha de consumo, esticada ao máximo, que estourou" -, optando por uma estratégia de redução muito lenta dos juros. A contração do crédito pelos bancos públicos, num momento em que os bancos privados não expandiam o volume de empréstimos, também afetou a retomada cíclica da economia, segundo Mendonça de Barros.
Ao comentar a greve dos caminhoneiros, ele diz que o impacto mais grave foi aumentar a desconfiança, "num momento em que o governo representa um tipo de gestão econômica que é correta e fundamental para nós". Para ele, a crise enfraqueceu muito a administração do presidente Michel Temer. "E, ao enfraquecer o governo Temer, enfraqueceu todo o discurso da centro-direita", afirma Mendonça de Barros.
Na visão do economista, um candidato de esquerda tem 60% de chances de vencer as eleições. A tendência, segundo ele, é o candidato de esquerda disputar o segundo turno com o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ), que Mendonça de Barros classifica "como um demagogo, um populista". A combinação entre o pensamento de Bolsonaro e de seu guru econômico, o liberal Paulo Guedes, não dará certo, acredita o economista. "Ele vai mandar o Paulo Guedes embora logo depois", diz Mendonça de Barros, hoje presidente do conselho da Foton Brasil, que fabrica caminhões.
A seguir, leia os trechos mais importantes entrevista (se quiser ler a íntegra, acesse aqui).
Por que a atividade perdeu força nos primeiros meses do ano?
No ano passado, eu participei de debate no Valor [que contou com as presenças do economista-chefe da Verde Asset Management, Daniel Leichsenring, e do coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV, Armando Castelar]. A minha tese era de que o BC não estava entendendo direito a natureza da recessão, que não era uma recessão como as outras. Ela era o resultado de uma bolha de consumo, esticada ao máximo, que estourou. E o padrão dessas recessões, com essa característica, exige uma resposta diferente do normal por parte do BC. O que ocorreu com a recessão nos EUA em 2008 e na Europa também. A grande vantagem que nós tivemos é que não houve uma crise bancária associada como houve nos EUA e na Europa. Como é que o BC americano, primeiro, e depois o BC europeu, após uma briguinha lá, agiram? É uma ação muito específica, de aumento de liquidez, de redução de juros, para criar uma força anticíclica, de modo que, ao longo do tempo, você se recupere da crise. E aqui o BC não fez isso.
O BC demorou a cortar os juros? Ou reduziu a Selic menos do que deveria?
Você pode até dizer que a Selic a 6,5% ao ano está razoável. Mas foi muito devagar, com cortes de 0,25, 0,5 ponto. Ali tinha que ter dado um corte brutal, imediato, e [ter feito] uma espécie de QE [afrouxamento quantitativo, na sigla em inglês, a compra de títulos para manter baixos os juros de longo prazo] em cima dos bancos, para gerar algum tipo de pressão para eles emprestarem. Na minha opinião, houve um erro de diagnóstico. O BC não entendeu a natureza da recessão e teve uma postura ultratradicional, como se fosse uma recessão de fim de ciclo, normal. E hoje nós sabemos que há um outro problema.
Qual problema?
Se o Brasil não teve uma crise bancária, o que ajudou, a concentração bancária foi definitiva. Os bancos não expandem o crédito. E aí o segundo erro. O que ocorreu com os bancos públicos na gestão do [Henrique] Meirelles na Fazenda? Eles começaram a cortar [crédito]. Você tem o sistema bancário privado não expandindo crédito e o sistema bancário público contraindo o crédito. Isso criou uma situação que enfraqueceu uma recuperação cíclica que ainda existe, mas que desacelerou muito.
Na reunião do mês passado, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a Selic em 6,5%, em vez de reduzi-la para 6,25%, como esperava a maior parte do mercado. Como o sr. avalia essa decisão do BC?
Nesse caso, achei correta, pois uma redução de 0,25 ponto percentual, no contexto de restrição de crédito bancário, traria menos benefícios do que a volatilidade do dólar.
Na virada do ano, o sr. chegou a avaliar que um crescimento acima de 3% neste ano era possível. Quanto é possível hoje?
Claramente isso se reduziu e nós vamos para alguma coisa entre 1,5% e 2%. Uma grande frustração é o volume de crédito.
Os bancos públicos deveriam ter expandido, mantido ou desacelerado o volume de crédito?
Eu não teria reduzido. O que ocorreu? Você contraiu na margem o crédito dos bancos públicos num momento em que o sistema privado não expandiu. O total de crédito disponível é mais baixo do que era. E destaco o erro de diagnóstico do BC em relação à natureza da recessão. Agora, há outros impactos que vão fazer com que realmente a recuperação cíclica seja muito mais fraca do que poderia ser.
Que impactos são esses? O da greve dos caminhoneiros?
A greve dos caminhoneiros é um ponto fora da curva. É evidente que vai provocar uma contração de demanda, mas essa é uma redução de segunda ordem. A primeira redução veio pela manutenção de uma política monetária que seria compatível com uma recessão diferente da que nós tivemos.
A ideia de que o mercado de trabalho começaria a reagir, de que os trabalhadores se sentiriam mais confiantes para consumir, acabou não ocorrendo.
Teve um certo começo disso, tanto que o consumo reagiu um pouco. Mas hoje há um problema. Nós tínhamos uma data-limite, que era julho, agosto, e nós vamos chegar nela com a economia com recuperação muito fraca, e com um choque desse negócio dos combustíveis. Como a atividade está mais fraca, a probabilidade de vitória da esquerda cresceu muito.
Como o sr. avalia o aumento dos preços dos combustíveis e a greve dos caminhoneiros?
Com a inflação muito baixa, o aumento dos preços dos combustíveis não estava criando nenhum constrangimento de ordem geral. Mas houve esse choque de oferta e, pior do que isso, o governo Temer terminou uma segunda vez. Ele havia terminado na denúncia da JBS [em maio de 2017] e terminou agora, porque foi um bate-cabeça terrível. É evidente que você vai normalizar toda a questão, mas o governo se enfraqueceu demais e, ao enfraquecer o governo Temer, enfraqueceu todo o discurso da centro-direita.
Havia uma expectativa de vários analistas, entre os quais o sr., de que a economia ajudaria um candidato de centro-direita nas eleições deste ano. E agora?
Acho que atrapalha. Porque a pior coisa que tem é uma expectativa de melhora - foi feito todo um discurso e de repente... Como dizia o meu pai, que era médico, a recidiva de qualquer doença é sempre pior do que a própria doença. Havia todo um quadro de um certo otimismo e de repente a coisa vem pior. Além disso, há um quadro internacional complicado. Há a situação da Itália, que vai dar errado, vai dar problema. E dar problema na Itália é muito pior do que na Grécia. Há também o ciclo americano [de alta de juros]. Somando tudo, é um quadro meio desanimador.
A economia vai chegar em agosto fraca...
... vai chegar fraca em agosto e a inflação vai cair, mas só que há hoje o problema da taxa de câmbio, que também não dá para brincar. O erro do BC foi muito menos a Selic de 6,5% e muito mais a demora [para baixar a taxa] e, mais do que isso, você manteve as condições financeiras dos empréstimos muito ruins, os juros muito altos.
O fato de o Brasil ter à época uma inflação alta não dificultava a adoção de uma política monetária mais agressiva, como a que o sr. defendia?
Não. A inflação estava alta por causa do choque anterior de preços e uma condição de demanda que não existia mais.
Mas hoje os juros estão baixos. Qual o impacto disso sobre a atividade daqui para frente?
Estão baixos para quem? Os spreads estão muito altos e não tem volume de crédito, não expande. Isso mostrou outro erro estrutural que nós fizemos, que foi essa concentração bancária. Ela é boa, por um lado, porque fica um sistema bancário forte, mas não funciona na hora em que você precisa do crédito. E aí [foi] mais um erro em cima do outro: como o banco público expandiu muito lá atrás, a ideia foi "vamos devolver dinheiro [ao Tesouro], vamos reduzir [o crédito]". E aí você somou duas coisas negativas.
A crise dos caminhoneiros causa um impacto direto sobre a atividade. Que outros impactos têm esse episódio?
Um outro impacto pior é a desconfiança no governo, num momento em que o governo representa um tipo de gestão econômica que é correta e fundamental para nós. Esse é o dado mais dramático. Como se enfraqueceu o lado que defende a política econômica correta, aumentou o risco de ter uma recidiva na política econômica. Se ganha um desses que estão aí, claramente nós vamos ter uma segunda crise de outra natureza, que é uma gestão errada, um enfrentamento errado, dos nossos problemas estruturais.
O sr. disse que esse cenário fortalece a esquerda. O sr. acha que Ciro Gomes seria o favorito?
É o meu grande medo. Eu sonho com ele toda noite, e não é sonho agradável. Esse pessoal não aprende.
Ciro não tocaria uma política fiscal responsável? Não faria as reformas necessárias para o país?
De maneira nenhuma, de maneira nenhuma. Não é da natureza dele. O populismo não se corrige. O [presidente Donald] Trump vai dar errado e a Itália vai ser um desastre.
E o sr. vê a possibilidade de Bolsonaro ganhar?
O Bolsonaro é demagogo, um populista. A combinação entre o que ele pensa e o que sempre disse com o guru econômico dele não vai dar certo. Ele vai mandar o Paulo Guedes embora logo depois. Estou com 76 anos. A única aposta que nunca deixo de fazer é contra o populismo. Vai dar errado.
Geraldo Alckmin então tem poucas chances?
Muito poucas chances. Ele tem uma boa equipe, mas não consegue falar com a população.
Como o sr. avalia a política de preços da Petrobras?
Como irresponsável. Eles conseguiram internalizar no pico um processo especulativo de petróleo lá fora por causa do Irã. Foi isso o que eles fizeram. E a Petrobras é monopolista. Isso já obriga o gestor da Petrobras a tomar cuidado com o que ele faz. Se ele explorar o poder monopolista, ele faz o que ele quer. E é um preço-chave numa economia como a nossa, que só vive de transporte... Não houve avaliação de risco.
Os reajustes não podem ser diários?
Óbvio que não, ainda mais num processo especulativo de petróleo.
O sr. acha então que os reajustes deveriam ser mais espaçados.
É, com uma média móvel, algo assim, e explicando - "O petróleo, que chegou a US$ 40, US$ 45 o barril, está agora bem mais caro".
Teria que haver um imposto para amortecer a volatilidade dos reajustes de preços?
Eu não sei. O erro foi não considerar o risco associado a essa política no sistema de transporte, que foi o que ocorreu.
O sr. acha que a culpa é principalmente da Petrobras?
É óbvio. Eles tinham que ter noção do que estavam fazendo. E erro do governo, porque o governo teria que ter lá no Palácio do Planalto alguém que estivesse olhando isso aí e não estava.
Pedro Parente pediu demissão da Petrobras e foi substituído por Ivan Monteiro. Como isso afeta as perspectivas para a empresa?
Não acho que essa escolha represente a manutenção da mesma política de preços do Pedro Parente, depois do período de congelamento do preço do diesel. Incrível como só depois da crise é que os analistas acordaram para o fato de a Petrobras ser um monopólio, que a política de preços explora a força do monopólio em toda a sua extensão e que o aumento diário é um tapa na cara do consumidor. Espero que encontrem uma solução inteligente.
O sr. disse que o governo acabou pela segunda vez. O sr. vê um risco de interrupção desse governo ou vai ser como o fim do governo Sarney?
É um governo talvez até em situação mais difícil que a do Sarney. Na época do governo Sarney, havia indexação, aquele negócio todo, e ia tocando. Mas não é interesse de ninguém derrubar [o governo]. Já enfraqueceram. Nós vamos para um processo eleitoral muito conturbado. Ninguém sabe direito o que falar. Acho que hoje há 60% de chance de a esquerda ganhar.
Quem temais chances, Ciro Gomes ou um candidato do PT que Lula apoiar?
Não sei. Aí vamos ver o que vai acontecer.
Dada a situação da economia, o sr. vê hoje como mais provável um segundo turno entre um candidato da esquerda e Bolsonaro?
É isso aí. E a outra coisa que é crítica é a articulação política. O próximo Congresso vai ser pior do que o atual, porque nivelou por baixo. Hoje não tem nenhum grande partido. Há cinco ou seis partidos do mesmo tamanho. É uma situação complicada. A única coisa que tem, que é uma vantagem, é que no próximo governo nós vamos estar com o ciclo lá embaixo na economia. A conta corrente está numa situação muito sólida. Você tem reservas, você tem inflação baixa. Mas não adianta. Eu estou velho demais para achar que um populista como o Ciro Gomes vai fazer a coisa certa. Vai nada, ele vai fazer tudo errado de novo. (247).
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