Segundo a Polícia Civil, dos 133 presos na megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, pelo menos 33 eram de fora do Rio de Janeiro - três, de Pernambuco
Vista da favela Vila
Cruzeiro, no complexo da Penha, no Rio de Janeiro, Brasil, em 29 de outubro de
2025, após a Operação Contenção - Foto: Pablo Porciuncula/AFP
Ao entrar nas comunidades, os policiais também se depararam com a resistência de criminosos de outras regiões do país, que vieram para o Rio em busca de abrigo nas favelas e passaram a reforçar o “exército” do tráfico carioca, principalmente nas áreas de mata.
Um reforço e tanto. Dos 113 presos, pelo menos 33 eram de fora do Rio de Janeiro, segundo a Polícia Civil. Em um levantamento interno, a corporação identificou a origem de 28 deles: 18 da Bahia, três de Pernambuco e quatro do Pará. Outros três foram reconhecidos como vindos de Santa Catarina, Espírito Santo e Maranhão.
Fontes das polícias civis de outros estados afirmam que cada comunidade do Rio funciona de um jeito, mas que os criminosos que buscam refúgio no Rio precisam colaborar com a proteção do território, fazendo “plantões” e exibindo armamentos pesados.
Entre os fuzis apreendidos pelas forças de segurança, pelo menos dois tinham a inscrição CV AM (Comando Vermelho do Amazonas) e outro trazia a marca “Tropa de Manaus”.
Um pastor da Penha, sob anonimato, afirmou ser comum a presença desses forasteiros na mata da Vacaria, na Serra da Misericórdia, no Complexo da Penha. Foi lá que a maior parte do confronto com a polícia aconteceu durante a megaoperação.
"Temos informações de inteligência de que chefes do crime de outros estados estão se instalando em complexos do Rio, onde encontram relativa tranquilidade para manter os negócios e ordenar execuções em seus estados de origem".
Na noite de terça (28), em frente ao Hospital Estadual Getúlio Vargas, que recebeu parte dos corpos da operação, duas mulheres de Goiás aguardavam notícias dos maridos. Uma delas contou que estava em chamada de vídeo com o companheiro, abrigado na Vacaria, quando ele foi alvejado por policiais. Desde então, não teve mais notícias.
"Meu marido morrer assim... nem sei onde ele está. No hospital, informaram que ele não chegou. Não há registro dele, mas com certeza está morto", disse, aos prantos.
Alexander Alves de Moura, preso e condenado pela Justiça paraense a 33 anos e quatro meses de prisão em abril passado, afirmou aos agentes que se filiou ao CV em 2018 para atuar em Ananindeua, na Região Metropolitana de Belém.
Em 2023, no entanto, Moura e um comparsa, identificado como Lak, vieram para o Rio para fugir da polícia paraense e passaram a morar no Complexo da Penha. No depoimento, ele detalhou o período em que viveu no Rio e contou que a cúpula do CV fluminense cobra um pagamento semanal de R$ 250 de cada traficante de fora que deseja se estabelecer.
De acordo com Moura, para serem liberados do pagamento, os traficantes forasteiros são obrigados a tirar um plantão “na mata que dividia o Complexo da Penha do Complexo do Alemão, com um fuzil”.
O criminoso afirmou ainda que as armas usadas nesses plantões na Serra da Misericórdia eram entregues por Edgar Alves de Andrade, o Doca, chefe do tráfico do Complexo da Penha e principal alvo da ação de ontem. Doca, no entanto, não foi localizado.
Outras investigações também revelam que, com o processo de nacionalização do CV, o Complexo do Alemão virou um entreposto de drogas para estados do Nordeste. Em setembro de 2023, Ana Laura da Costa Pinho e Maria Eduarda da Silva Mota, moradoras do Complexo do Alemão, foram presas no município de Tauá, no sertão do Ceará, com 50 quilos de maconha.
Dias antes, elas haviam retirado a carga no Alemão e embarcado num ônibus na Rodoviária do Rio com destino a Crateús. O objetivo da viagem era entregar a droga a criminosos da cidade cearense. Elas voltariam ao Rio no mesmo dia da entrega, em um voo saindo de Fortaleza. Pelo serviço, cada uma receberia R$ 2 mil.
"O número de mortos de outros estados é surpreendente, mesmo sem contagem oficial. Isso é possível perceber pela grande procura de namoradas, amigos e conhecidos, mas não necessariamente de parentes", explica Mirela. "É um desafio ainda maior para a liberação dos corpos, porque exige uma declaração que permita a identificação por terceiros e também um trabalho de traslado".
Entre os que ainda procuram por desaparecidos está a namorada de Fernando Henrique dos Santos, de Goiás. O casal vivia no Rio há quatro anos. Segundo ela, Fernando saiu de casa por volta das 6h20 da manhã da anteontem e não voltou mais:
"Estou até agora procurando o corpo".
 
