
O jornal francês Le Monde publica nesta terça-feira, 9,
editorial em que alerta para os riscos da democracia brasileira, caso o
candidato da extrema direita, Jair Bolsonaro (PSL), seja eleito nas
eleições presidenciais.
"Liderando de longe o 1º turno, domingo 7 de outubro, com 46% dos
votos, este candidato, Jair Bolsonaro, 63 anos, não disfarça suas
preferências políticas radicais, nem sua visão extremamente primária da
sociedade", diz o jornal francês.
"Não se pode colocar o PT e Jair Bolsonaro em um pé de igualdade.
Lula e seus herdeiros nunca colocaram em risco o processo democrático no
Brasil", diz o Le Monde, comparando Bolsonaro ao presidente filipino
Rodrigo Duterte. "Onda reacionária que varre a maior democracia da
América Latina".
Leia, abaixo, o editorial do Le Monde na íntegra, com tradução de Sylvie Giraud:
BRASIL, UMA DEMOCRACIA AMEAÇADA
Le Monde 09/10/2018
O que se oferece aos brasileiros em 28 de outubro, no segundo turno
da eleição presidencial, não é verdadeiramente uma alternativa
democrática clássica. Trata-se de uma escolha política e social
fundamental entre a continuidade da democracia – que o maior país da
América Latina pratica há 3 décadas – e o mergulho em um regime
populista dirigido por um candidato de extrema direita.
Liderando de longe o 1º turno, domingo 7 de outubro, com 46% dos
votos, este candidato, Jair Bolsonaro, 63 anos, não disfarça suas
preferências políticas radicais, nem sua visão extremamente primária da
sociedade. Este ex capitão de infantaria, subitamente lançado sob os
holofotes após o anonimato de uma longa carreira insignificante de
deputado do baixo clero, imprimiu suas marcas na campanha com suas
alegações racistas, misóginas e homofóbicas. Ele fez ressurgir as más
lembranças de um período sombrio para o país, o da ditadura militar
(1964-1985) e parece divertir-se com isso. Suas prescrições para a luta
contra a criminalidade – "bandido bom é bandido morto", diz ele – se
parecem mais com as práticas do presidente filipino Duterte do que com
aquelas de um Estado de Direito. Seu provável futuro vice-presidente, o
general Hamilton Mourão, não pensou duas vezes em evocar a opção de um
"autogolpe" em caso de anarquia e sugeriu a elaboração de uma
Constituição sem o aval do Congresso.
A ascensão de Jair Bolsonaro não deve surpreender. O antigo oficial
do exército soube captar a raiva de eleitores arruinados com a recessão
histórica de 2015-2016. Ele compreendeu o rancor de uma população
enfurecida com a corrupção e criminalidade. Ele soube também
aproveitar-se do desejo de mudança de uma parte do país que não via a
hora de virar a página de 12 anos e meio de governo do Partido dos
Trabalhadores (de 2003 à metade de 2016) juntamente com seus erros. Esta
campanha eleitoral caótica, na qual um primeiro candidato - o
ex-presidente Lula da Silva, preso por corrupção - foi finalmente
proibido de concorrer, e outro, Bolsonaro, foi esfaqueado em pleno
comício, vem coroar o crepúsculo do "Lulismo", cultuado até então. Com
somente 29% dos votos no 1º turno, são pequenas as chances de Fernando
Haddad, herdeiro de Lula e candidato do PT, vencer esta eleição. Os
numerosos erros políticos, econômicos e éticos do PT e seu envolvimento
em negócios de corrupção colossais, explicam amplamente a rejeição do
eleitorado brasileiro.
Contudo, não se pode colocar o PT e Jair Bolsonaro em um pé de
igualdade. Lula e seus herdeiros nunca colocaram em risco o processo
democrático no Brasil. Ainda que contestassem o processo ao cabo do qual
a Presidente Dilma Roussef foi destituída, eles deixaram o poder em
2016. A perspectiva de uma presidência de Bolsonaro é, pelo contrário,
carregada de ameaças para a jovem democracia brasileira.
A onda reacionária que varre a maior democracia da América Latina,
puxada por um ex-militar com discurso incendiário e que cultiva uma
lembrança idealizada da ditadura, não deixa de ser uma das faces,
malgrado suas particularidades locais, do sucesso de candidatos
"anti-sistema" na Europa e nos Estados Unidos. Todavia, esse atalho não
deve ocultar o que está em jogo, na essência, desta eleição brasileira:
trata-se aqui, puramente e simplesmente, da sobrevida de um regime
democrático em um continente onde sua fragilidade é histórica.247
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