No melhor livro que eu já li sobre o Rio ("O Rio de todos os Brasis", Editora Record), Carlos Lessa aborda o tema de como um dos esportes favoritos da elite do dinheiro no Brasil, é degradar a imagem do Rio de Janeiro, é uma outra forma de degradar o Brasil, de baixar nossa auto estima, de jogar a imagem do Brasil, aqui e la fora, pra baixo.
Por tudo o que o Rio representa para o Brasil. Não só suas belezas extraordinárias, mas também porque os brasileiros de todo o país sempre se debruçaram sobre o Rio como uma referência fundamental no Brasil. Sempre torceram para times do Rio, sempre olharam para as praias do Rio, para o carnaval, como referência fundamental para a nossa identidade como país.
É certo que, depois de deixar de ser capital, tendo sido uma cidade basicamente administrativa e não produtiva, o Rio entrou em decadência em termos econômicos, comparado com a pujança de São Paulo.
Mas, com todos os seus méritos – em termos sociais, culturais, por exemplo -, São Paulo nunca se reivindicou seu o centro de referência para o Brasil. O maldito espírito de 1932, de uma aristocracia que se considera "locomotiva da nação", arrastando a vagões preguiçosos, nunca foi superado por sua elite, que tem uma visão preconceituosa sobre o Brasil. Veja-se como, até agora, FHC, Cantanhêde, como expressões atuais desse ranço, se referem ao nordeste como "mal informado", como gente que não levaria em conta as denúncias sobre corrupção sobre o Lula, etc.
A imensa quantidade de gente que tem ido para São Paulo, especialmente desde os anos 1950, nordestinos, caipiras do interior do estado, levas de imigrantes, costumam ter uma atitude instrumental da cidade de São Paulo. Em geral não gostam da cidade, dura para viver, costumam dizer que assim que fizerem um pé de meia voltam, pro nordeste ou pro interior do estado.
Especialmente nos governos neoliberais de Collor e de FHC, a degradação da imagem do Brasil se projetou fortemente sobre o Rio. Gente da elite – como o Jabor, a Danuza – se bandearam para São Paulo, se encantaram com a grana da burguesia paulista, passaram a escrever na Folha, desancando o Rio de Janeiro.
O neoliberalismo, como o reino do dinheiro, que instalou mais de 100 agências de bancos só na Avenida Paulista, parecia ser definitivamente o reinado de São Paulo – da São Paulo da grana – sobre cidades como Rio, cheia ainda de espaços públicos, impossíveis de serem privatizados e tornados parques temáticos por grandes corporações internacionais – a começar pelas próprias praias. Enquanto ainda sobrevivem esses espaços públicos e outros, o Rio não é avassalado como São Paulo tem sido por grandes empresas privadas e seus "centros culturais" de bancos na Avenida Paulista, enquanto no Rio esses centros são do Banco do Brasil, da Caixa Econômica.
Um intelectual paulista, ultra esquerdista, me confessou que não vinha ao Rio há 15 anos, mesmo tendo parente próximo vivendo aqui. Não lhe perguntei, enquanto isso, quantas vezes tinha ido a Paris, a Nova York, mas certamente foram várias dezenas de vezes. Estão de costas pro Brasil, ao estar de costas pro Rio.
Depois de ter tido degradada sua imagem durante os governos neoliberais, quando o neoliberalismo volta, o Rio volta a ser vítima da política do dinheiro, da grana viva, que se concentra onde estão os bancos, que degrada tudo o que é público, seja empresas, serviços ou espaços. A crise atual do Rio é continuidade daquela que degrada o Rio como parte da degradação do Brasil. Que odeia o Rio como odeia o Brasil. Que se valeu do governo do Rio como forma de dilapidar o patrimônio do estado.
Que trata o Rio como uma cidade doente, terminal, que tem que ser acudida contanto que termina de dilapidar seu patrimônio público, que trata suas universidades e toda sua educação como dispêndios de recursos que desequilibram as contas públicas. Que consideram que o tráfico no Rio é um problema do Rio e não do Brasil.
São Paulo só pode se conciliar com o Brasil quando tiver governos de esquerda, que superem a identidade de São Paulo vinculada aos bandeirantes – na verdade, exterminadores de índios – e a 1932 – "a questão social é questão de polícia", segundo Washington Luis -, e resgatam as outras identidades de São Paulo, uma cidade tão plural, acolhedora para todos que chegam, uma cidade do trabalho, dos trabalhadores, dos professores da rede pública, das universidades públicas, dos sindicatos, dos centros culturais, de tanta coisa extraordinária.
Uma São Paulo que possa se sentir parte integrante do Brasil e não sua locomotiva, que tenha uma relação fraternal e não discriminatória com todo o pais. Para isso precisar de uma mídia democrática, de governos democráticos, precisa de políticas sociais durante muito tempo, que a humanizem. E que olhe para o Rio como uma irmã.(247).
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