Quadrilha é investigada pelas práticas de caixa dois, lavagem de dinheiro, fraude em licitações e obstrução da Justiça
O prefeito de Cabo Frio (RJ), Dr. Serginho (PL), e o deputado estadual Valdecy da Saúde (PL) estão entre os alvos da operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta quarta-feira contra uma quadrilha investigada pelas práticas de obstrução da Justiça, caixa dois, lavagem de dinheiro e fraude de licitações. A ação é um desdobramento da investigação que prendeu, no ano passado, integrantes de um esquema que propagava fake news sobre candidatos durante as campanhas eleitorais municipais.
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Segundo a PF, a ação de hoje é resultado de outra feita em setembro de 2024, denominada Operação Teatro Invisível. Na época, autoridades prenderam quatro pessoas suspeitas de participarem de um esquema de contratação de atores para participarem de um teatro de rua que buscava influenciar o voto dos eleitores e desmoralizar candidatos rivais. O caso foi revelado pelo Fantástico, que mostrou imagens de treinamentos realizados em galpões para que os envolvidos no esquema conseguissem aprender a influenciar as eleições. Eles eram orientados a dizer coisas como "Gastaram milhões naquela ponte. Para quê? E nossas crianças?".
Valdecy da Saúde, que na época concorria à prefeitura de São João de Meriti, aparece em uma das gravações dizendo que dois integrantes do grupo, que foram presos posteriormente, fizeram dele "um dos mais votados do estado do Rio de Janeiro". A polícia ainda achou um arquivo com o nome "Valdecy campanha teatro". Ao Fantástico, ele afirmou que não tem relação com os fatos e que não é investigado no inquérito.
Já em Cabo Frio, foi investigada a suspeita de interferência no processo eleitoral por integrantes da quadrilha identificados como Bernard Rodrigues Soares, Roberto Pinto dos Santos, André Luiz Chaves da Silva e Ricardo Henriques Patrício Barbosa. Eles também teriam atuado nas cidades de Araruama, Belford Roxo, Carapebus, Guapimirim, Itaguaí, Itatiaia, Mangaratiba, Miguel Pereira, Paracambi, Paraty, São João de Meriti e Saquarema. Os suspeitos foram presos durante a primeira fase da operação, no ano passado.
Após as primeiras apreensões, investigadores descobriram que o grupo era composto por sócios de empresas que teriam fraudado processos licitatórios no RJ, além de terem utilizado recursos não declarados à Justiça Eleitoral. A investigação também revelou provas de atos de lavagem de dinheiro "praticados de maneira sistemática", incluindo transações ilegais por meio de contas de passagem, uso de dinheiro em espécie, empresas com vasta atividade econômica e aquisição de bens de alto valor. Também foram encontrados indícios de que o grupo criminoso praticou a destruição de provas, principalmente em meios digitais, que poderiam incriminar os participantes do esquema.
Além de Dr. Serginho e Valdecy, também são alvos da ação de hoje Aarão (PP), postulante que disputou a prefeitura de Mangaratiba e saiu derrotado, e Rubão (Podemos), que concorreu "sub judice" em Itaguaí, ficou em 1º, mas foi impedido de tomar posse. Entre os endereços buscados, também estiveram imóveis ligados ao do presidente do Instituto Rio Metrópole, Davi Perini Vermelho, apelidado de Didê, e o subsecretário de Eventos e Relações Institucionais do RJ, Rodrigo Santos de Castro. Um cantor sertanejo de Juiz de Fora (MG), identificado como Cristiano Almeida Leite, da dupla Renan e Christiano, também teve um de seus imóveis buscados.
Como parte da operação desta quarta-feira, foram determinados o bloqueio nas contas dos investigados nos valores que somam cerca de R$ 3,5 bilhões e a suspensão das atividades econômicas de oito empresas.
Em vídeo publicado nas redes sociais nesta tarde, Serginho afirmou que os agentes levaram uma arma de fogo que ele tinha registrado em seu nome, um par de brincos e um colar dado por ele à esposa e um aparelho telefônico. Na gravação, o prefeito relatou que foi incluído no inquérito quando foram encontrados relatórios sobre a ocorrência do "teatro invisível" em Cabo Frio, mas negou sua participação no esquema. O político também disse não ter relação com empresários acusados de fraudes em licitações mencionadas pelos investigadores, que também teriam acontecido no município.
— Eu não participei disso, a Justiça comete erros, eu estou vítima de uma injustiça nesse momento e vou provar a minha inocência. A verdade vai aparecer e a gente, com toda a tranquilidade, vai mostrar não só para a sociedade cabofriense, mas também para todo o estado do Rio de Janeiro e o Brasil que a gente não tem nenhuma relação com os ilícitos mencionados.
Em um comunicado publicado nas redes sociais na noite desta quarta-feira, Aarão disse que "nunca teve participação em nenhum tipo de teatro invisível" e afirmou que foi vítima da prática nas campanhas de 2020 e 2024". Interlocutores de Rubão também negam que ele teria contratado uma empresa para divulgar fake news durante o período eleitoral. Em nota, o Instituto Rio Metrópole informou que Didê "reafirma a inexistência de qualquer relação com o fato noticiado e segue acreditando na justiça, onde poderá se defender respeitando o devido processo legal".
Já o governo do estado do Rio disse que a defesa de Rodrigo Castro afirma "recebeu com surpresa o envolvimento de seu nome ao inquérito e que ainda não teve acesso ao processo", acrescentando que "ele está à disposição das autoridades para colaborar com as investigações". Procurada, a defesa do cantor sertanejo Cristiano Almeida disse que, "por se tratar de investigações sigilosas, está averiguando diretamente nos autos quais são os fatos imputados".
O GLOBO tentou contato com Valdecy da Saúde, mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem. O espaço segue em aberto. (Por Rafaela Gama — Rio de Janeiro).