O ano que termina deve ser lembrado como um período de recuperação da consciência, no qual aprendemos a enxergar a história como ela é – e não como gostaríamos que fosse.
Em 2016 assistimos ao fim de uma ilusão democrática nascida nas lutas contra o regime militar e expressa pela Carta de 1988.
Não foi uma decepção qualquer. Encantou os mais velhos e calejados da luta mais antiga iniciada na resistência ao golpe de 1964. Também chegou aos mais jovens, educados por mais de um quarto século – tempo para se formar uma geração --, pela visão de que enfim vivíamos num país capaz de construir e manter instituições democráticas estáveis, na certeza de que éramos uma nação com regras que todos obedecem e devem obedecer.
Pela primeira vez parecia possível acreditar e dizer – sem parecer ingenuidade – que o Brasil havia ingressado no patamar de país civilizado. Muitas vezes, com um pouco de imaginação, era até possível enxergar sinais de uma catástrofe em gestação. Mas ninguém perdeu o sono. O Brasil não é Honduras, onde um presidente foi deposto em 2009. Nem o Paraguai, onde ocorreu um golpe em 2012.
Era difícil – pelo tamanho de nosso PIB, pelo reconhecimento internacional -- acreditar que estivéssemos na mesma trilha.
Com base na convicção correta que encara a democracia como um “valor universal”, acreditávamos no valor das palavras justas, como “Não vai ter golpe”. Um pouco depois, tentamos acreditar em outra vontade honesta, “Fora Temer”.
Tivemos surpresas, decepções e, acima de tudo, suspeitas confirmadas.
Não conseguíamos imaginar o rosto de personalidades históricas – respeitadas e até admiradas em outro tempo – desfigurado por manobras sórdidas, canalhices indizíveis. Não parecia que, um dia, seríamos obrigados a reescrever os livros de história, corrigir biografias, rebaixando tantos falsos heróis e mesmo pobres coitados que conseguiram se esconder dos próprios vexames de sua insignificância.
Não sabemos quantos pais, quantos avós, quantos irmãos, tiveram coragem de chamar os mais novos para explicar que aquele rosto amigo que aparecia tantas vezes no jantar – ou na tela da Tv – não era quem se pensava. Nunca foi, talvez.
Fomos traídos sem desconfiar.
Perdemos todas as lutas e todas as vezes que saímos de casa para empunhar uma bandeira mas não desistimos. Mesmo travando o bom combate, entre os fortes e os fracos, como é da vida, seguimos perdendo na etapa seguinte. Nossas senadoras improvisaram uma greve de fome para defender a CLT. Ficou uma bela lembrança.
A greve geral de 28 de abril nunca será esquecida.
Aos poucos, até falar foi se tornando mais difícil. Tentaram sufocar as redes sociais. Amorteceram todas, silenciaram algumas.
Sem lei trabalhista, os sindicatos perderam o chão de um país menos antiquado. Entidades do povo pobre que animam a luta social há mais de 30 anos foram golpeadas. Repetindo histórias de tempos que pareciam enterrados para sempre, um capitão do serviço secreto se infiltrou num grupo de estudantes para montar uma provocação.
Mas nem tudo deu certo para eles. O plano era afogar os 207 milhões de brasileiros.
Isso não conseguiram.
Pretendiam destruir tudo mesmo. Não foi possível.
Salvamos a consciência, essa construção coletiva que explica a sobrevivência que enxerga o futuro.
Isso explica o colapso da Vênus Platinada. Vencida pela própria arrogância, nunca mais será a mesma e um dia não será mais.
Forçados a andar para atrás por uma questão de atualização com as mudanças forçadas, encontramos homens e mulheres que pareciam estátuas, embora fossem personagens de carne e osso. Falam e são compreendidas porque têm vida e conseguem nos lembrar quem somos e de onde viemos.
Não abandonamos o respeito pela democracia. Apenas compreendemos que envolve uma luta que nunca termina. Foi nesse novo ambiente que conseguimos impedir a votação da reforma da Previdência, que os inimigos do povo jogaram para fevereiro de 2018, sem a menor certeza do que pode acontecer.
Isso porque 2018 começa com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva, o personagem que, mais uma vez, se encontra no centro da situação brasileira. Seu destino, novamente, se confunde com o destino do país e isso começa a ocorrer em 24 de janeiro.
Perseguido pelo pior e mais cruel que um sistema de dominação colonial foi capaz de construir ao longo de 500 anos de história, Lula continua de pé, caminha e fala. Tornou-se a voz dos pobres e oprimidos em 1978, em plena ditadura militar. Será ouvido mais uma vez, 40 anos depois. O Brasil está mudando de novo, tenham certeza. (247).
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