quinta-feira, 5 de outubro de 2017

MERCADANTE VÊ REITOR DA UFSC COMO HERZOG DA NOVA DITADURA JUDICIAL

Agência Brasil | UFSC

Em entrevista ao 247, o ex-ministro da Educação Aloizio Mercadante avaliou que Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, morto na última segunda-feira 2, não poderia ter sido exposto e condenado previamente sem o devido processo legal, sem direito a defesa e sem julgamento.
Para Mercadante, esses procedimentos agridem o estado democrático de direito e violam um princípio secular da autonomia universitária. Cancellier era alvo da Operação Ouvidos Moucos, acusado de obstruir investigação que apurava desvios de dinheiro em um programa de ensino à distância ocorrido em gestão anterior à sua na universidade. Ele negou as acusações.
Mercadante disse, ainda, que, nos tempos atuais, fazem falta gigantes da luta democrática como Dom Paulo Evaristo Arns, Teotônio Vilela, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Miguel Arraes, Mário Covas. Mas acrescentou que, apesar de tudo, ainda temos Luiz Inácio Lula da Silva, segundo ele uma das poucas vozes que que não fugiu à sua história e que se manifestou com a veemência e coragem necessária sobre esse caso.
Confira a íntegra da entrevista:
247 - Ministro, um fato que chocou e marcou o campo da educação esta semana foi o suicídio do reitor afastado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Luiz Carlos Cancellier. Foi você quem o nomeou, não? Como se deu esse processo?
Mercadante - É obrigação legal do ministro da Educação, no exercício do cargo, realizar a nomeação dos reitores das universidades e dos institutos federais. Não convivi com o ex-reitor Cancellier. O conheci no dia em que fiz a sua nomeação, por ser o mais votado pela comunidade acadêmica da UFSC, uma prestigiada e importante universidade da rede das federais.
Aliás, esse foi o critério republicano que sempre adotamos em nossa gestão: respeitar a autonomia universitária e nomear o candidato eleito pela comunidade. E foi o que de fato fizemos.
Sobre o Cancellier, pelo breve convívio, tive a melhor das impressões. Um homem culto, aberto ao diálogo e à tolerância, que respeitava os valores democráticos e civilizatórios, com uma importante formação humanista e comprometido com o estado democrático de direito.
Aproveito a oportunidade para manifestar publicamente meus sentimentos de solidariedade a todos os familiares, amigos e, também, a comunidade universitária da UFSC e de todo o Brasil, que também está de luto.
E qual sua avaliação sobre o impacto político dessa tragédia?
Eu não tenho conhecimento de todo o processo legal que envolve as investigações dos indícios de fraude no programa Universidade Aberta do Brasil na UFSC. Os indícios são graves, houve corrupção e deve ser apurada. A UAB é um grande projeto, especialmente para formação de professores da rede básica e não pode conviver com essas práticas. Mas, é fundamental registrar que não há qualquer menção de que o reitor tenha participado dessas fraudes.
Parte importante e amplamente majoritária da comunidade jurídica de Santa Catarina se manifestou com veemência contra a forma em que tudo aconteceu. As vozes do direito condenaram os métodos utilizados pelas autoridades envolvidas no caso do reitor Luiz Carlos Cancellier.
Ele não poderia ter sido exposto e condenado previamente sem o devido processo legal, sem direito a defesa e sem julgamento, humilhado no presídio e submetido ao linchamento moral e público, como de fato foi. Esses procedimentos agridem o estado democrático de direito e violam um princípio secular da autonomia universitária. A universidade foi agredida e violentada na figura de sua representação máxima, que é a reitoria.
As forças democráticas precisam se manifestar. Não podemos aceitar os pré-julgamentos. Apurações e inquéritos em fase de investigação precisam ter procedimentos que preservem a presunção da inocência. Todos os cidadãos devem ter amplo direito de defesa e o respeito integral ao devido processo legal.
É evidente que ele foi vítima de um linchamento cruel e profundamente injusto. A violação de direitos e garantias individuais, do amplo e irrestrito direito de defesa e do processo legal começa a recolher seus corpos. O Brasil já conhece essa triste história.
Ao que você se refere?
Entrei na USP em 1973. Quando estava iniciando minha vida universitária, chegou a informação de que o estudante de geologia, Alexandre Vannucchi Leme, prédio ao lado da Faculdade de Economia, havia sido preso e sequestrado pelo DOI-CODI. Logo a seguir, a imprensa da época noticiou a versão oficial da ditadura militar de que Vannucchi teria sido vítima de atropelamento por um caminhão na Lapa, versão utilizada de forma recorrente pelos órgãos dos porões da ditadura. Todos sabíamos que foi assassinado pelos seus torturadores.
Nossa geração organizou, com Dom Paulo Evaristo Arns, uma voz independente e corajosa na luta democrática e em defesa dos direitos humanos, um ato religioso na praça da Sé. Foi uma primeira resposta ao cenário de medo e de opressão que vivíamos na universidade.
Em 1975, a morte do professor e jornalista Vladimir Herzog, submetido à tortura pelos órgãos de tortura da ditadura, gerou uma reação ainda mais forte. Muito mais forte. A versão oficial do regime foi a de que Herzog, novamente submetido as mais cruéis torturas, tinha cometido suicídio.
A indignação foi generalizada na USP e nós paralisamos a USP em luto. Um ato ecumênico, dessa vez em homenagem a Vladimir Herzog, foi novamente realizado na Catedral da Sé, liderado por Dom Paulo Evaristo Arns e reuniu 8 mil pessoas. O regime bloqueou as ruas de São Paulo, impedindo milhares de pessoas de participarem, sob o comando do coronel Erasmo Dias, que dois anos depois lideraria a invasão e a agressão à PUC de São Paulo, onde eu começava minha vida como professor universitário.
O assassinato do professor Wladimir Herzog foi um ponto de inflexão na luta democrática contra a ditadura, a tortura, a repressão e a censura. A anistia só viria quatro anos depois, em 1979. O fim da ditadura em 1984 e eleições democráticas e diretas para presidente, apenas em 1989.
Mas foram essas manifestações de resistência, inicialmente isoladas, mas marcantes, que começaram a mudar a história do Brasil.
Antes, havia um profundo silêncio da imprensa censurada e oprimida pela ditadura militar. Hoje, permanece uma triste omissão. Tenho saudades do tempo que liamos receitas de bolo como protesto contra a censura. O novo é que temos o espaço livre da internet e projetos como o Brasil 247, que estão dando voz ao profundo sentimento de dor e injustiça como ocorre, hoje, na Universidade Federal de Santa Catarina.
Como assim?
Há um incômodo silêncio de importantes órgãos da imprensa tradicional. Não se manifestam pela garantia dos direitos individuais e do processo legal. Em alguns casos, lamentavelmente, contribuem para o linchamento e pré-julgamento público, que agridem o estado democrático de direito.
A minha geração só conhecia a democracia pelos livros de história. Jamais imaginei que meus filhos e netas fossem viver o que estamos passando. A morte do reitor Cancellier se deu em um cenário muito distinto, mas me lembra em muito a morte de Vladimir Herzog.
Nos tempos atuais, fazem falta gigantes da luta democrática como Dom Paulo Evaristo Arns, Teotônio Vilela, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Miguel Arraes, Mário Covas. Mas, ainda bem, que, apesar de tudo, ainda temos Luiz Inácio Lula da Silva: uma das poucas vozes que que não fugiu à sua história e que se manifestou com a veemência e coragem necessária sobre esse caso.(247).

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