sábado, 25 de março de 2017

Os currais de gente da seca nordestina

HISTÓRIA

Estiagem de 1915 provocou criação de verdadeiros "campos de concentração" no Ceará, uma história esquecida no Brasil
Carmela Gomez Pinheiro, 96 anos, filha de um dos vigias do campo, relembra: "barrigas inchavam" (Evaristo Sá/AFP)
Carmela Gomez Pinheiro, 96 anos, filha de um dos vigias do campo, relembra: "barrigas inchavam"


Quase ninguém no Brasil lembra ou sequer conhece esta história, mas ela existiu. No início do século 20, quando o Nordeste vivia - como nos dias de hoje - terríveis secas, as autoridades construíram “campos de concentração” para evitar que os agricultores famintos do Ceará migrassem em massa para a capital. 

Os registros históricos e os jornais da época descrevem as construções como acampamentos, onde milhares de famílias do semiárido eram obrigadas a viver em condições sub-humanas: amontoadas, quase sem comida, em um espaço insalubre, cercado e custodiado por guardas. As autoridades estaduais chamavam de “campo de concentração”, uma denominação que ainda não era associada ao horror do nazismo alemão.

Os primeiros foram construídos durante a grande seca de 1915 e voltaram posteriormente, durante um ano, em 1932. No total, foram sete campos estrategicamente estabelecidos perto das vias ferroviárias que os agricultores do sertão cearense usavam para fugir para Fortaleza, capital do estado que hoje sofre sua pior seca em um século.

As autoridades os vendiam como uma espécie de proteção para milhares de “flagelados”, mas as crônicas sugerem que apenas buscavam evitar que se repetisse o episódio vivido na seca de 1877, quando mais de 100 mil camponeses famintos triplicaram a população da capital que, nos anos 1930, vivia na modernidade e riqueza de sua Belle Epoque.

Os agricultores, de fato, acabaram  batizando esses lugares como “currais do governo” porque se sentiam tratados como o gado que haviam perdido na seca. “Os campos de concentração funcionavam com uma prisão”, observa a historiadora Kenia Sousa Rios no livro Isolamento e poder: Fortaleza e os campos de concentração na seca de 1932. 

“Os que chegavam lá não podiam ir embora. Só tinham permissão para se deslocar quando eram convocados para trabalhar na construção de ruas ou em obras de melhoramento urbano em Fortaleza, ou quando eram transferidos de campo”, explica.

Os únicos vestígios deste episódio sinistro da história brasileira estão em Senador Pompeu, um humilde município em pleno sertão, a 300 km da capital. Lá ainda estão de pé as carcaças dos prédios onde os guardas faziam o controle ou dos armazéns onde se guardava a comida, mas estão todos completamente abandonados.

Última testemunha

Carmela Gomez Pinheiro, filha de um dos vigias do campo, hoje tem 96 anos, mas sua memória é muito boa. “Quatro ou cinco pessoas morriam todos os dias, inclusive crianças. Todos de maus-tratos ou de fome”, conta em sua residência, uma casa humilde em Senador Pompeu. “A fome era muito grande (...) Não havia o que comer, nem pão, e as pessoas ficavam doentes e suas barrigas inchavam”, recorda, com alguma dificuldade para falar.

Mesmo que esta tragédia seja desconhecida para milhões de brasileiros, não ficou completamente esquecida. Em Senador Pompeu se celebra anualmente a Caminhada da Seca em homenagem a essas vítimas, um memorial idealizado em 1982 pelo padre italiano Albino Donati.
 
Ano após ano, a grande romaria termina no “Cemitério da Barragem”, que foi criado em torno das valas comuns, onde os habitantes dizem que estão enterradas mais de mil pessoas. Em torno de uma cruz, dezenas de garrafas de água são hoje o testemunho das oferendas populares ao falecidos sedentos.

Cinco anos do pior cenário do século 

O crânio de uma vaca jaz exposto sob o sol escaldante do sertão. Ao seu lado, um bezerro se decompõe encostado em um arbusto ressecado. É a imagem da desolação no Nordeste do Brasil, que vive sua pior seca em um século. É neste local empoeirado que pecuaristas do semiárido cearense deixam seus animais mortos.
 
Em meio a cactos e arbustos, contam-se ao menos trinta esqueletos de vacas, burros e cabras. “A maioria dos animais morreu de sede ou porque o alimento não foi suficiente. Infelizmente, essa é a realidade, é o resultado destes cinco anos de seca”, conta Kerginaldo Pereira, um agricultor de 30 anos, que deixou uma de suas vacas e vendeu três bezerros e dez ovelhas “esqueléticas” porque não conseguia mantê-las.

Ainda que a seca acompanhe a história desta região castigada, a memória coletiva não registra outra seca pior ou mais longa que a atual. A explicação dada pelos climatologistas é que uma série de fatores combinaram-se perversamente: a predominância do fenômeno El Niño no Pacífico, o aquecimento do Atlântico Norte e as mudanças climáticas, que no Ceará se traduziram em aquecimento de 1,3° Celsius nos últimos 50 anos.

Desde 2012, praticamente não chove no sertão. Prova disso é que quilômetros de sua vegetação - a caatinga - está desmatada e escura, como se tivesse acontecido um grande incêndio. Os rios e açudes que abasteciam as populações rurais não estão em situação melhor. As autoridades consideram que as represas trabalham com 6% de sua capacidade, mas algumas literalmente evaporaram.

A dramática situação traz, muitas vezes, uma difícil escolha para os moradores da região: conseguir água para os animais ou para as pessoas. (DP).



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