Em Ibimirim, no Sertão de Pernambuco, a
Unidade Mista Marcos Ferreira D’Ávila não realiza partos cesárea, falta
médico plantonista, e os profissionais que operam máquinas de raio-x são
expostos a radiação sem equipamentos de segurança. Esses foram alguns
dos pontos que mais chamaram a atenção dos profissionais que
participaram da Caravana da Seca, entre os dias 16 e 20 de setembro.
O grupo formado por 20 profissionais do
(Cremepe) e do Sindicato dos Médicos de Pernambuco (Simepe) percorreu
alguns municípios do estado para saber como está a situação nas unidades
de saúde e escolas municipais ou estaduais da região. Eles estiveram
nas cidades de João Alfredo, São Bento do Una, Caetés e Bom Conselho, no
Agreste, e Arcoverde, Sertãnia, Ibimirim, Betânia e Serra Talhada, no
Sertão.
O balanço contou com a presença do
presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Roberto d’Ávila, e
também do vice-presidente do CFM, Carlos Vital. “Essa pesquisa pode não
ter o rigor científico exigido, mas tem uma avaliação da percepção da
população sobre os seus problemas, como a questão da seca. Isso é
importantíssimo para podermos entender o que está acontecendo”, acredita
d’Ávila.
A intenção do grupo foi visitar locais
mais atingidos pela estiagem e avaliar a qualidade de água, unidades de
saúde e escolas locais. Os 20 médicos se dividiram em três grupos – a
primeira equipe avaliou as unidades de saúde do município. Outro grupo,
formado por profissionais de nutrição, fez avaliações com crianças e
aferiu a pressão de profissionais da educação. Uma terceira equipe fez a
pesquisa de rua, conversando com a população sobre a percepção dos
serviços. Também foram coletadas amostras de água para análise
laboratorial, cujos resultados devem ficar prontos na próxima semana.
Uma das pesquisas feitas na rua
questionava a população sobre o que havia de pior no local onde mora.
Dos entrevistados, 32% responderam que era a pobreza, 29% a sede, 12% a
tristeza, 8% a fome e 18% outras coisas. “Isso é um quadro muito
preocupante. Essa é a pior seca que tivemos em muitos anos. A tristeza
de ver o boi morrendo, a pobreza que faz as pessoas mudarem de local.
Tudo isso é relacionado à situação de seca que essas pessoas estão
vivendo. Quase metade delas só recebe água quinzenalmente ou uma vez por
mês, quando recebem”, afirma o presidente do CFM.
De acordo com a presidente do Cremepe,
Helena Carneiro Leão, o ponto inicial da viagem foi a água. “Essa
caravana foi despertar principalmente para aqueles surtos de infecção
intestinal, divulgados na mídia tantas vezes. Achamos que deveríamos ter
uma ação específica em alguns municípios do Sertão que teriam sido
afetados e tomamos essa decisão”, informou ela. Ela destacou que as
unidades de saúde do interior precisam, além de estrutura física e de um
maior número de médicos, de gestores que realmente resolvam os
problemas da cidade. “Nosso SUS [Sistema Único de Saúde] precisa
urgentemente de gestão efetiva e financiamento adequado. Sem carreira de
estado para médicos, sem efetivação de médio e longo prazo, ficaremos
sempre nesta mesma situação”, avaliou.
Das nove unidades de saúde visitadas,
uma em cada cidade, oito teriam que ter um responsável técnico médico.
“Isso é uma lei de 1932, que exige um responsável técnico médico. De
oito unidades que são exigidas, três não tinham. É um absurdo. [...]
Quanto às equipes médicas, vimos que seis das nove estavam completas,
mas mesmo completas você tem que colocar um médico em 48 horas de
escala. Por que precisa de um médico nessas escalas? Porque falta uma
carreira de estado, falta qualidade. Por isso, não temos médicos nesses
locais”, apontou o presidente do CFM.
A caravana constatou ainda escalas
defasadas, com ausência de médicos em alguns dias da semana, além de
muitos profissionais trabalhando sem carteira de trabalho. “Nós não
aguentamos mais trabalhar com bolsa, com promessas de um salário, um
recibo, sem garantias. No setor da saúde, quase todos os contratos são
precários. Quem é que quer trabalhar sem férias, sem 13º, sem nenhuma
garantia trabalhista? É por isso que a saúde está assim”, acredita
d’Ávila.
No blog da Caravana do Sertão, os
médicos registraram os pontos que mais chamaram atenção. O Hospital
Monsenhor Alfredo Dâmaso, em Bom Conselho, no Agreste, atende cerca de
200 pacientes por dia, mas as salas de emergência não possuem
equipamentos de reanimação, como observado pelo médico fiscal da
caravana, Otávio Valença. Apenas um médico realiza plantão noturno
durante quatro dias da semana.
A cidade de Betânia, no Sertão, foi uma
das mais atingidas pela seca. Conforme pesquisa realizada com os
moradores, muitos deles afirmaram que deixariam a cidade, se pudessem,
por causa da constante falta de água e excessivo calor. Há dois anos não
chove no município.
O balanço mostra também que 27% dos
profissionais das escolas visitadas apresentam quadros de hipertensão.
“Não sabemos se é por não beberem muita água, se é pela alimentação com
muito sal ou ainda questão de estresse, mas esse é um dado preocupante.
Está acima da média mundial, de 20%. É algo que precisa ser visto com
mais atenção”, defende d’Ávila.
O resultado da visita e os relatórios da
análise laboratorial da qualidade de água serão enviados às autoridades
responsáveis como Secretarias Municipais de Saúde, Secretaria Estadual
de Saúde, Ministério da Saúde, Gabinete da Presidência, Ministério
Público estadual e Federal e Tribunal de Contas do Estado (TCE). A
reportagem é do G1.
Blog do Bill Art´s