A
medida que obriga estudantes de medicina a atuar por dois anos no
Sistema Único de Saúde (SUS), anunciada nesta segunda-feira (8) como
parte do Programa Mais Médicos, tem sido alvo de questionamentos por
estudantes e instituições de educação. A obrigatoriedade é vista com
ressalvas. Os dois anos a mais antes do diploma e do registro
profissional podem ser um desestímulo para os alunos. Quem trabalha no
setor diz que é preciso definir bem as regras da exigência para que nem a
rede pública e nem os profissionais sejam prejudicados.
Pela medida provisória (MP 621/2013)
enviada pelo governo ao Congresso Nacional, a partir de 2015 os alunos
de medicina deverão trabalhar por dois anos na atenção básica e na
urgência e emergência do SUS, chamado de segundo ciclo. Com isso, o
curso passará de seis anos para oito anos de duração. A medida é válida
para faculdades públicas e privadas e garante, durante o período, o
pagamento de uma bolsa tanto para estudantes quanto para professores
tutores.
Para a coordenadora do Núcleo de Estudo
em Saúde Pública da Universidade de Brasília (UnB), Maria Fátima de
Sousa, a medida proporciona uma ação estruturante necessária ao ensino
dos futuros médicos. “Esses profissionais estão sendo formados para um
modelo de saúde que não precisamos mais. Precisamos de médicos
generalistas para trabalhar nas comunidades e a formação hoje está
dirigida a especialidades, o que precisa ser mudado”, diz, acrescentando
que a medida é um passo importante para isso.
No entanto, há quem diga que os dois
anos a mais podem desestimular os candidatos. “Nós já temos dois anos de
internato [quando o estudante atua em hospitais sob supervisão de um
professor] que, no caso das escolas públicas, já são dois anos atuando
no SUS”, diz a aluna do quarto semestre de medicina da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) Vitória Gimenes. Pelo texto da MP, os
dois anos finais não dispensam o estudante do internato, já previsto nas
diretrizes curriculares nacionais.
Vitória não é contra a atuação na saúde
pública após os seis anos de formação, mas defende que não seja
obrigatório. “Acho certo trabalhar no SUS, mas não é o ideal ter mais
dois anos de obrigatoriedade. Já temos mais quatro anos de residência,
são dez anos de formação e estão só aumentando isso”.
A estudante do sexto ano de medicina da
Universidade Federal do Paraná (UFPR) Regina Vallego diz que, na
faculdade, falta prática em urgência e emergência, uma demanda dos
estudantes, porém é preciso ver em que condições a nova iniciativa será
feita. “Só porque faltam médicos nessas áreas vão colocar todos os
alunos para trabalhar nelas? Será que eles têm condições? O período
contará como parte da residência. Será suficiente? Não cairá o nível da
residência?”, pergunta a estudante.
Regina também contesta a autonomia dos
alunos. “São estudantes, portanto não podem tomar decisões sozinhos,
como é possível na residência médica. Esse alunos terão algum poder de
decisão ou tudo terá que passar pelo aval do supervisor?”.
A tutoria é um dos pontos que preocupa
as faculdades particulares. “A supervisão está vinculada à instituição
de ensino em que o aluno estuda. Tem que ter uma contrapartida para a
instituição. Quem vai arcar com esses custos a mais do professor? Isso
tem que ser melhor definido”, diz o diretor executivo da Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), Sólon Caldas.
“Fica subentendido que o governo quer encontrar um mecanismo para
obrigar o médico a prestar serviço para o governo. Temos vários
questionamentos sobre esse assunto”, acrescenta.
A Associação Nacional dos Dirigentes das
Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) não se posicionou
sobre a proposta. Na próxima semana, haverá reunião do conselho pleno da
entidade, quando o segundo ciclo no ensino médico será discutido. A
União Nacional dos Estudantes (UNE) também não tem um posicionamento
oficial até o momento, pois avalia a medida.
A MP estabelece que o Conselho Nacional
de Educação (CNE) tem 180 dias para regulamentar o trabalho dos alunos
no SUS. O conselheiro do CNE José Fernandes de Lima diz que será formada
uma comissão para analisar o tema. Serão feitas audiências públicas,
além do debate interno na Câmara de Educação Superior. O CNE vai definir
as atividades, o número de horas, a relação entre tutor e estudante, a
formação do tutor e a relação entre estudante e hospital. As possíveis
alterações na MP feitas pelo Congresso Nacional serão consideradas,
explica o conselheiro. (Agência Brasil)
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